TSE pune abuso de poder de Bolsonaro, em viagem a Londres
Por todos os ângulos que se olhe, a visita de Jair Bolsonaro (PL) à Londres foi um desastre e ajuda a sepultar votos. Até mesmo o engajamento entre sua base de apoiadores e de parlamentares foi negativa e reduz o ânimo eleitoral. A imprensa britânica ridicularizou sua passagem e questionamentos da justiça brasileira sobre o caráter da visita ao funeral da rainha Elizabeth II começam a resultar em punição.
A medida mais recente foi a proibição de sua campanha usar preciosas imagens ao lado de chefes de estado num funeral. O corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, proibiu Bolsonaro de utilizar na campanha imagens do discurso realizado da sacada da residência oficial da embaixada do Brasil em Londres, no domingo (18).
Gonçalves também determinou em liminar (decisão provisória e urgente) a remoção de vídeos similares publicados nas redes do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente. Tudo foi meticulosamente planejado para o horário eleitoral na TV.
Ele entendeu que o ato de governo foi utilizado para evento eleitoral. “Após poucos segundos de condolências à família real, a sacada foi convertida em palanque, para exaltação do governo e mobilização do eleitorado com o objetivo de reeleger o candidato”, disse o corregedor, em sua decisão.
“É patente, portanto, que o fato em análise é potencialmente apto a ferir a isonomia entre candidatos e candidatas da eleição presidencial, uma vez que o uso da posição de Chefe de Estado e do imóvel da Embaixada para difundir pautas eleitorais redunda em vantagem não autorizada pela legislação eleitoral ao atual incumbente do cargo.”
Foram várias as ações pedindo a proibição do uso das imagens, fotos e material gráfico ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A campanha de Lula e Soraya Thronicke, entre outras, protocolaram alegações de abuso de poder político e econômico.
Reação britânica
O Reino Unido não deixou passar ilesos os abusos bolsonaristas. Em pleno dia do funeral da rainha, com ingleses emocionados circulando pelo entorno da Embaixada Brasileira, houve episódios de hostilização, empurrões e xingamentos, contra a imprensa, manifestantes e até pessoas em luto. O próprio Bolsonaro repetiu seus momentos de truculência contra jornalistas. A polícia londrina teve que intervir em diversos momentos para evitar tumultos.
No domingo, dia da chegada do presidente à residência do embaixador brasileiro a Londres, uma equipe da BBC News Brasil foi cercada por bolsonaristas. Ainda no domingo, o mesmo grupo de bolsonaristas tentou impedir o enviado da Folha de S. Paulo de se aproximar da residência oficial. Imagens feitas no local mostram um grupo de apoiadores rodeando e xingando o jornalista.
No domingo, também intimidaram um grupo de ambientalistas da organização Brazil Matters, que denunciavam as políticas do governo Bolsonaro para a Amazônia. Entre os participantes do protesto, estava Dominique Davies, sobrinha do jornalista britânico Dom Phillips, assassinado na Amazônia.
Nesta segunda-feira, os ânimos se acirraram quando um manifestante brasileiro gritou contra o governo Bolsonaro nas imediações da residência oficial. Ele foi chamado de “bobalhão” pelo pastor Silas Malafaia, que acompanha a comitiva presidencial. Um britânico que passava acudiu o manifestante.
Imprensa e redes sociais
A imagem de luto pela rainha, que deveria neutralizar a falta de respeito com as famílias que perderam seus entes na pandemia, acabou causando o efeito contrário. Até a foto com a gafe do presidente tocando o novo rei e rindo abertamente, enquanto dá os pêsames, se espalhou como pólvora nas redes.
No Twitter, foi possível verificar que, entre as postagens sobre a visita do candidato à Inglaterra, 53% foram negativas, 30% neutras e apenas 17% positivas. Entre os perfis que postaram utilizando esses termos, cerca de 40% são perfis fora da polarização política, 24% manifestam identificação com a esquerda, 22% são ligados ao bolsonarismo e outros 14% são identificados com a direita não bolsonarista. Ou seja, nem os 22% de bolsonaristas foram totalmente complacentes com o ocorrido.
Os percentuais são ainda mais negativos quando é associado o termo “Malafaia” ao presidente Bolsonaro, em referência ao pastor, que fez parte da comitiva. 70% das menções são negativas, 25% neutras e somente 5% positivas. Nem os bolsonaristas simpatizam muito com o líder religioso.
Foram ruins as manchetes dos veículos da imprensa britânica apontando uso político da visita. O conservador The Times disse que: “Bolsonaro rompe o luto para marcar pontos políticos”. O texto diz que “o presidente do Brasil usou sua viagem para o funeral da rainha para mostrar ao seu país quão caro é o combustível em Londres”. O jornal diz ainda que os brasileiros reagiram de forma “mista” ao vídeo, “com muitos argumentando que os salários do Reino Unido são significativamente mais altos” e, portanto, o custo pesa muito menos para os súditos da rainha.
O The Guardian classificou a viagem como uma “oportunidade de ouro para impulsionar sua campanha à reeleição”. “Jair Bolsonaro usa visita a Londres para funeral da rainha como ‘plataforma eleitoral’” foi o título da matéria. “Bolsonaro entrou imediatamente no modo de campanha, apesar do momento de luto”, diz o texto.
O Independent titulou com “Bolsonaro é acusado de transformar visita ao funeral da rainha em comício político”.
Um ilícito atrás do outro
O direito eleitoral foi desafiado por Bolsonaro a enquadrá-lo por abuso de poder político ao sequestrar a viagem para Londres para um evento eleitoral. O uso de uma estrutura pública para ato de campanha é vedado pela legislação eleitoral.
Bolsonaro usou um prédio público, a Embaixada, para fazer campanha eleitoral. A legislação eleitoral proíbe o uso de estruturas públicas para fins eleitorais. Como fez o corregedor, foi analisado o que ele disse e se auferiu benefício eleitoral. Ele fez várias declarações características de comício eleitoral, inclusive atacando adversários e defendendo pautas eleitorais.
A participação de Malafaia no evento foi considerada despropositada, uma vez que o pastor não integra o corpo diplomático ou tem participação direta no governo. Isto só se justificaria se não fosse uma agenda oficial da Presidência da República, mas uma viagem recreativa.
Mesmo que pudesse realizar um evento eleitoral em Londres, Bolsonaro teria que pagar todas as despesas com verba de campanha e não recursos públicos do governo.
Bolsonaro tem deitado e rolado na legislação eleitoral, ciente de que o judiciário dificilmente vai puni-lo de forma severa neste período de campanha. Punições relevantes, como cassação do registro da candidatura e perda de mandato, seriam usadas por ele para gerar ainda mais engajamento militante.
Desta forma, as punições podem variar entre multas ao candidato e à campanha, perda de tempo de TV ou proibição de uso das imagens, como ocorreu. Nem um outro candidato presidencial teve o registro cassado, embora poucos tenham sido os abusos da dimensão de Bolsonaro. Além disso, essas ações costumam demorar anos para serem plenamente julgadas.
(por Cezar Xavier)