Trauma do Capitólio influenciou resolução dos EUA contra golpe no Brasil
O Senado dos Estados Unidos aprovou por unanimidade, na noite desta quarta-feira (28), uma resolução apresentada pelo senador Bernie Sanders e outros cinco senadores democratas para defender a democracia no Brasil.
Em sua defesa da medida, no plenário do Senado, Sanders afirmou que o texto não era favorável a qualquer candidato e sim ao rompimento de relações e assistência militar entre países em caso de um golpe.
“Não estamos tomando lado na eleição brasileira, o que estamos fazendo é expressar o consenso do Senado de que o governo dos EUA deve deixar inequivocamente claro que a continuidade da relação entre Brasil e EUA depende do compromisso do governo do Brasil com democracia e direitos humanos.”
Em entrevista, o historiador especializado em estudos latino-americanos na Universidade Brown (EUA), James Naylor Green, destacou a importância da resolução pelo ineditismo. “Nunca houve esse tipo de pronunciamento em favor da democracia brasileira. Ele é particularmente importante, se lembrarmos que a quase 60 anos atrás, o governo americano interferiu nas eleições governamentais de 1962 e depois apoiou o golpe de 1964 no Brasil”.
Green ressaltou a mudança de conceito que isto representa nos EUA sobre a democracia no Brasil, especialmente por ser uma resolução aprovada unanimemente sem nenhuma objeção republicana a “uma medida bastante dramática”.
Para o historiador, o documento do Senado também é fruto da conjuntura política nos EUA, após o tumultuado governo de Donald Trump. “Representa, em parte, um trauma de um grande setor da sociedade americana com o governo de Trump e seus atentados para derrubar a democracia, através da invasão do Capitólio, incentivado pelo ex-presidente”, explicou.
Recados formalizados
“Esta resolução significa a voz do Senado americano contra um golpe no Brasil, e reforça uma posição bastante clara do governo Biden”, afirmou, citando episódios anteriores em que emissários do governo foram escolhidos para passar recados a Jair Bolsonaro sobre o assunto.
Houve declarações na imprensa de representante da CIA, do secretário de Defesa, do Departamento de Estado, entre outros porta-vozes de Biden, todas no sentido de censurar ameaças golpistas no Brasil e apoiar o sistema eleitoral. Apenas esta semana houve ao menos outras duas manifestações públicas.
Na segunda-feira (26), o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, disse à BBC News Brasil que “como parceiro democrático, os EUA acompanharão as eleições de outubro com grande interesse”.
Na terça, apenas seis dias antes de os brasileiros irem às urnas, a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou em coletiva de imprensa que os americanos “monitorariam” a eleição no domingo e expressou preocupação com a escalada de violência política nas ruas.
Consentimento calado
Outro aspecto interessante foi constatar o silêncio dos republicanos como uma indicação de que eles conco+rdam com o sentido da resolução. “Podiam ter derrubado facilmente a resolução a qualquer momento. Acho que eles estavam com outras preocupações, agora, e não queriam comprar mais essa briga”, avaliou o especialista. Ele explicou que uma única objeção levaria a resolução para uma votação em plenário, o que tornaria tudo mais difícil.
“É uma voz unificada de que não aceitamos golpe, respeitamos o sistema eleitoral brasileiro, esperamos o reconhecimento imediato do governo legitimamente eleito, seja domingo ou em 31 de outubro”, reiterou.
A medida seria uma indicação de que há uma preocupação grande sobre as alianças pela democracia e as possibilidades de um golpe de estado no Brasil. Esta é a opinião de Green.
“A administração atual pode ter várias divergências com o Brasil sobre política exterior, política econômica, mas está sendo muito claro que não tolera esse tipo de ameaça à democracia nas Américas”.
Articulação internacional
Green é presidente do Conselho Consultivo do Washington Brazil Office, organismo que promoveu e organizou a agenda de 19 entidades brasileiras nos EUA, para um lobby em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro. O senador Bernie Sanders foi um dos que receberam o grupo.
Desta forma, ela considera que a visita foi fundamental para o resultado desta resolução. Em julho, 19 representantes da sociedade civil, de várias Ongs, grupos e entidades de defesa dos direitos humanos, participaram de 20 reuniões no Congresso, no Departamento de Estado, na OEA (Organização dos Estados Americanos), com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, além de movimentos sociais e centrais sindicais dos EUA. “Os movimentos sociais e a sociedade civil brasileira aforam claramente ao Congresso exigir o reconhecimento do resultado do processo eleitoral. Foi uma articulação muito forte e impontante que colaborou bastante para esse resultado”, afirmou.
Toda esta movimentação nos EUA ocorreu devido às repetidas acusações, sem provas, de Bolsonaro de que o sistema eleitoral brasileiro não é seguro e de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é “parcial”. De acordo com as pesquisas eleitorais, Bolsonaro, que tenta a reeleição, pode perder no primeiro turno para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A resolução foi apresentação pelos senadores Bernie Sanders, Tim Kaine, chefe do subcomitê de Relações Exteriores do Congresso para o Hemisfério Ocidental; Patrick Leahy, Jeff Merkley, Richard Blumenthal e Elizabeth Warren.
(por Cezar Xavier)