The Economist reconhece competência macroeconômica de Lula
Em entrevista à revista inglesa The Economist, uma das bíblias dos economistas neoliberais do mundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) respondeu sobre orçamento, planos de governo e crescimento. A revista, por sua vez, pontuou até que ponto um novo governo conseguirá estimular a economia, enquanto consegue manter a estabilidade fiscal. Desde o título (Quão de esquerda na economia é Luiz Inácio Lula da Silva?), a revista investiga até que ponto Lula vai levar a esquerda ao controle da macroeconomia do país.
The Economist entrevistou o economista Pérsio Arida, que foi presidente do Banco Central na implementação do Plano Real, em 1995. É ele quem legitima aos liberais da revista, que Lula foi fiscalmente prudente e não era precipitado nem radical. “Era como se um meteoro fosse atingir o Brasil”, lembra Arida, sobre a primeira eleição de Lula. Os mercados “demonizaram” Lula. O real perdeu 35% de seu valor e exigiu uma “carta ao povo brasileiro” prometendo que, se eleito, não faria nada precipitado.
Depois que ele ganhou, “o meteoro desapareceu”, diz Arida, com Lula mantendo a prudência fiscal. No segundo mandato, seu governo aproveitou um boom de commodities para ajudar os pobres.
Agora, destaca a reportagem, o terrorismo de Jair Bolsonaro contra o petista tenta ressuscitar a estratégia eleitoral do medo, de que o ex-presidente é um “diabo que quer impor o comunismo ao Brasil”. Os ingleses dizem que a lorota não está colando, pois Lula lidera com conforto as intenções de voto contra o atual presidente.
“Desconhecido conhecido”
Lula afirmou que “os empresários já conhecem seu governo”. Para respaldar sua afirmação Lula enumerou suas conquistas: crescimento anual de 4,5%, em média, nos dois mandatos; redução da dívida pública de cerca de 60% para 40% do PIB; desaceleração da inflação de mais de 12% em 2002 para pouco menos de 6% em 2010; um aumento no salário mínimo e 20 milhões de brasileiros que passaram a viver acima da linha da pobreza.
Lula costuma dizer em entrevistas que não teme o cenário que herdará de Bolsonaro, considerando as moratórias deflagradas por FHC, quando assumiu em 2003. Ainda assim, a revista considera que seu trabalho será “muito mais difícil”, como se o governo tucano tivesse sido um sucesso com as altas taxas de desemprego, inflação, endividamento e descontrole fiscal deixadas pra trás.
A revista cita a dívida pública de 78% do PIB, e 93% do orçamento consumido por gastos obrigatórios em folha de pagamento. Também cita o cenário global. “As condições políticas também são mais difíceis. O Congresso brasileiro é mais avarento e menos cooperativo”, diz a revista. Realmente, a hegemonia do centrão, hoje, é um desafio.
Segundo o texto, Lula gosta de lembrar aos brasileiros como eles eram “felizes” em seu governo, mas não reconhece que os problemas atuais do Brasil começaram com sua sucessora, Dilma Rousseff. A revista repete o discurso exagerado e distorcido da imprensa econômica da época, de que o Brasil vivia “a maior recessão de todos os tempos”. Ignora que Lula já disse discordar da política energética e de incentivos fiscais de Dilma e também desconsidera a instabilidade política que tornou a governabilidade dela inviável, culminando no impeachment.
Aliança ampla
A revista menciona os esforços de Lula para tranquilizar os mercados quanto à responsabilidade fiscal. Cita a escolha do conservador Geraldo Alckmin, sem saber, ainda, do impacto do apoio de Henrique Meirelles nos mercados financeiros, declarado ontem (19). A revista também admite a total irresponsabilidade fiscal de Bolsonaro, que não prevê, no orçamento de 2023, os benefícios sociais que devem impactar o ano fiscal. Mencionou também a suspensão do teto de gastos para financiar medidas de estímulo para beneficiar a campanha de Bolsonaro.
Apesar disso, critica Lula por acreditar que o Estado deve ser o motor do crescimento econômico. Conhecida como uma cartilha neoliberal, a revista prega o estado mínimo com liberdade plena a atuação do mercado na economia. “Se o governo não estimular o desenvolvimento, se o governo não tomar a iniciativa, se o governo não disponibilizar crédito, as coisas não são feitas”, defende Lula, aos jornalistas britânicos.
Além de uma visão esquerdista clássica para a economia, diz a revista, Lula defende uma forte dose de intervenção, descrevendo uma “política nacional de reservas alimentares”, o câmbio como “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços do petróleo. A publicação critica esta medida, desconsiderando que a artificial Paridade de Preços Internacionais é uma invenção golpista que despreza a capacidade de extração e refino no Brasil.
Caso eleito, destaca a The Economist, Lula aponta como prioridade ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número de pobres desde 2012. Ele promete aumentar a transferência de renda para essa parcela da população, ampliar o programa de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Lula considera que estas medidas “colocam os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento.
O resumo do debate econômico deste período eleitoral, apresentado pela revista, ainda admite que, tanto assessores econômicos de Lula, quanto os ortodoxos, defendem uma reforma para aumentar impostos sobre os muito ricos e simplificar o labirinto de impostos sobre o consumo, que são um empecilho para o crescimento. Cogita-se ainda aumentar as receitas do governo tributando dividendos ou até mesmo riqueza. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que combine impostos de renda mais altos para pessoas de alta renda com impostos mais baixos sobre a folha de pagamento para as empresas incentivarem o emprego formal. A revista considera difícil aprovar qualquer uma dessas propostas.
Herança bolsonarista
O periódico também entrevistou Monica de Bolle, do Peterson Institute for International Economics, que diz que este programa de Lula não reflete a realidade de seus governos, que tendem a ser mais moderados. Nem tanto ao céu, nem tanto a terra. Lula mostra que seus governos são fruto de uma coligação ampla, com hegemonia de esquerda. Garante políticas anticíclicas de estímulo ao consumo, mas também aplica mecanismos ortodoxos para controle fiscal.
Cita ainda as negativas de Lula em privatizar estatais, mas também de reverter privatizações ou reformas. Cita a recente palestra de Guilherme de Mello, assessor econômico da campanha, em que defende crédito e incentivos para pequenas empresas inovadoras, em vez da política de “campeãs nacionais”, que beneficiava empresas com potencial global.
The Economist também menciona o orçamento secreto como um desafio do qual Lula terá que se desvencilhar. Explica como Bolsonaro sequestra o Congresso com emendas nada transparentes e sob controle do presidente da Câmara.
A revista volta a elogiar o pragmatismo de Lula em defender a reindustrialização com tecnologia e inovação. Mas suspeita do que Lula não diz, ao evitar falar em reforma administrativa, por exemplo.
A reportagem menciona secundariamente o tema da falta de uma autocrítica de seu partido. Lula responde que “o petista está cansado de pedir perdão”. Apesar da ênfase econômica de todo o texto, esta frase de Lula foi destaque em todas as manchetes dos portais brasileiros.
(por Cezar Xavier)