Snowden recebe cidadania russa (reprodução)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, concedeu na segunda-feira (26) a cidadania russa a Edward Snowden, o ex-agente da NSA e CIA, que denunciou ao mundo em 2013 a vigilância em massa em escala global cometida por Washington, e que, ao ser perseguido e ter o passaporte revogado pelo governo Obama, acabara bloqueado no aeroporto de Moscou, onde lhe foi concedido asilo provisório e depois, residência no país.

“Em conformidade com o artigo a do parágrafo 89 da Constituição da Federação da Rússia, eu decido por este meio a concessão de cidadania da Federação da Rússia às seguintes pessoas: Edward Joseph Snowden, nascido em 21 de junho de 1983, nos Estados Unidos da América”, lê-se no decreto.

De acordo com o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, a iniciativa da decisão veio do próprio Snowden. Segundo o advogado russo do denunciante, a esposa de Snowden, que está na Rússia, irá solicitar também a cidadania. 72 pessoas receberam a cidadania russa nesta ocasião. O pedido de Snowden havia sido apresentado em 2020.

GRAMPO GERAL

As revelações de Snowden foram a sensação do ano de 2013, quando o ex-agente, desde Hong Kong, revelou ao mundo que a Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) grampeava “a todos” – milhões de usuários na internet e nos telefones diariamente, empresas concorrentes dos monopólios norte-americanos e líderes de outros países, entre esses a alemã Angela Merkel, o francês Macron e a brasileira Dilma Roussef.

Ele também expôs a cumplicidade dos demais integrantes dos chamados Five Eye, Canadá, Grã Bretanha, Nova Zelândia e Austrália, no grampo total.

O governo dos EUA – Snowden acrescentara – “até a semana passada operava feliz nas sombras sem qualquer respeito pelo consentimento dos governados, mas não mais”. Ele mostrou ainda o Programa Prisma, através do qual a NSA grampeia diretamente os usuários do Google, Microsoft, Facebook, Skype, Apple e mais quatro gigantes da internet.

Ao jornal inglês “Guardian” ele relatou a ordem secreta do tribunal secreto Fisa que autorizou o grampo geral de todos os 98,9 milhões de telefones da operadora norte-americana Verizon por três meses. Só nos EUA os grampeados eram pelo menos 260 milhões de números.

Também foi o “Guardian” que expôs sua denúncia do sistema de vigilância secreto conhecido como XKeyscore permite à inteligência dos EUA supervisionar “quase tudo o que um usuário típico faz na Internet”. No final do ano, o Washington Post registraria que os EUA monitoram diariamente a geolocalização de centenas de milhões de celulares no planeta.

Sobre a operação do megagrampo, Snowden explicou que os EUA “hackeiam backbones (troncos) de rede – como grandes roteadores de internet, basicamente – o que nos dá acesso às comunicações de centenas de milhares de computadores sem ter de hackear cada um isoladamente”.

ARMAR O ‘PALHEIRO’

Outra concepção é armar o palheiro – isto é, captar tudo, de todos, para achar a ‘agulha’ quando a CIA achar necessário.

Na época, prensado por um senador para responder “sim ou não” se havia grampo em massa sobre norte-americanos, o então chefão do NSA, James Clapper cometeu perjúrio no Congresso dos EUA. “Não, Sir”, disse, Clapper, “não conscientemente”.

Mais tarde, desmascarado, ele dissera à NBC que se tratava de uma pergunta antipática, “semelhante a lhe perguntar quando ele iria parar de espancar a esposa”.

Para tentar capturar Snowden – que fugiu de Hong Kong com a ajuda do pessoal do WikiLeaks – os EUA chegaram a ordenar aos governos europeus o fechamento do espaço aéreo e inclusive forçaram a aterrissagem do avião que conduzia o presidente boliviano Evo Morales, desde Moscou, uma aberrante violação da soberania, por acharem que o ex-agente estaria a caminho a bordo.

Posteriormente, em uma entrevista, Snowden também destacou que não roubou os documentos do NSA, “mas os deu aos seus donos, o povo americano”.

Ele acrescentou que não iria “caminhar para a prisão” – uma longa sentença – o que seria “um exemplo negativo” para outros no governo que vêem violações em escala massiva da Constituição e deveriam denunciá-las.

Nesses anos todos, o governo norte-americano jamais desistiu de por as mãos em Snowden para trancafiá-lo na solitária de uma prisão de segurança máxima pela vida inteira e possivelmente torturá-lo, por “espionagem”. Sempre que aparece uma oportunidade, tentam lançar sobre ele a pecha de “traidor”.

Quanto a isso, o patriarca de todos os denunciantes norte-americanos, Daniel Ellsberg, dos “Papéis do Pentágono” durante a Guerra do Vietnã, disse que sob o então governo Obama e a Lei de Espionagem, Snowden jamais terá “um julgamento justo”.

Segundo Ellsberg, no caso de voltar ao país, Snowden “iria direto para uma cela – e não apenas uma cela comum mas o isolamento em confinamento numa solitária, não apenas por meses como Chelsea Manning mas pelo resto da sua sentença e provavelmente pelo resto da sua vida”.

Em outra entrevista, à rede de tevê NBC, Snowden apontou que a 4ª Emenda da constituição dos EUA como foi escrita “não mais existe”. “Agora todos os seus registros privados, todas as suas comunicações privadas, todas as suas associações, com quem você conversa, quem você ama, o que você compra, o que você lê – todas essas coisas podem ser capturadas e mantidas pelo governo e depois pesquisadas por qualquer razão, sem qualquer justificativa, sem qualquer supervisão real, sem qualquer prestação de contas”.

Após toda essa saga, possivelmente o mais absurdo seja que nos anos recentes o governo de Washington – o megagrampeador – haja passado a projetar seus pecados sobre a China, a quem vive cinicamente acusando de piratear a comunicação alheia. O que usa como pretexto para desencadear arbitrariedades contra a vanguarda da Huawei no 5G, no contexto de sua guerra ao desenvolvimento tecnológico soberano chinês.

Papiro