Partidos no Chile concordam com nova Constituinte, mas direita pressiona
Representantes das principais forças políticas do Chile concordaram, nesta segunda-feira (12), que um novo projeto de Constituição seja redigido por um organismo 100% eleito, que respeitará o princípio da paridade de gênero, mas com apoio de uma comissão de especialistas. Além disso, houve consenso de que o processo será concluído com um novo plebiscito, com voto obrigatório.
“A soma das vontades dos diferentes partidos conseguiu canalizar democraticamente este novo processo constitucional que terá um órgão eleito com independentes, povos originários, paridade e o apoio de especialistas”, escreveu Camila Vallejo, do Partido Comunista, porta-voz do governo. Ela foi criticada pelo “excesso de entusiasmo”.
O Partido Republicano, de José Antonio Kast, ex-candidato presidencial de extrema direita, mais uma vez insistiu que não concorda em abrir um processo constituinte, depois do rechaço dos chilenos à primeira proposta de Carta para substituir a herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Como da outra vez, foi derrotado.
As conversas vêm sendo travadas entre os partidos de esquerda e centro-esquerda que formam a base parlamentar do governo de Gabriel Boric e as siglas da coalizão conservadora Chile Vamos, do ex-presidente Sebastián Piñera.
Para avançar nas negociações, era fundamental destravar um ponto crucial: se os novos redatores da Carta seriam definidos pelos chilenos por voto universal, como foi acordado nesta segunda, ou se seriam propostos pelo Congresso, como queria parte dos conservadores.
Após a reunião desta segunda, o presidente da Câmara, Raúl Soto, do Partido pela Democracia (PPD), resumiu os acordos alcançados em cinco pontos: a redação de uma nova Constituição; que o texto seja elaborado por um órgão 100% eleito; que atenda ao princípio da paridade de gênero; que o órgão seja acompanhado por uma comissão de especialistas; e, finalmente, que o processo de redação da nova Constituição seja concluído com um plebiscito com voto obrigatório.
Mudou de ideia
Um dia depois do acordo, no entanto, a coalizão conservadora Chile Vamos ameaçou abandonar as conversas, a menos que os representantes do presidente Gabriel Boric “saiam da mesa” de negociações. Embora tenham apresentado uma desculpa para isso, sofreram pressão interna para a mudança de orientação.
Segundo o jornal La Tercera, contudo, os parlamentares conservadores começaram a sofrer pressão de seus militantes e dirigentes para darem explicações sobre a aceitação inicial do acordo, e fizeram uma entrevista coletiva para amenizar o mal-estar. Preferiam que uma nova consulta popular para definir se a Carta herdada de Pinochet deve ser substituída.
Os líderes do bloco de oposição, do ex-presidente Sebastián Piñera, disseram que não irão a uma reunião marcada para a manhã de quinta (15) em que as arestas finais para um acordo seriam aparadas.
“Anunciar acordos que não foram firmados é faltar com a verdade”, disse o senador Francisco Chahuán, presidente da Renovação Nacional (RN), partido de Piñera, referindo-se ao anúncio feito por Camila, pouco após o presidente da Câmara, Raúl Soto, do Partido pela Democracia (PPD), anunciar que havia consenso. Não havia confirmação, ainda, da participação de candidatos independentes e dos povos indígenas.
Chahuán pede uma “reprogramação” da mesa, durante a entrevista coletiva em que esteve acompanhado de Javier Macaya, da União Democrática Independente (UDI), e de Luciano Cruz Coke, do Evópoli.
Na reunião desta quinta-feira, seriam discutidas as regras para a formação da comissão de especialistas; o modelo para a eleição dos novos constituintes; e a participação de candidatos independentes e dos povos indígenas. A Convenção Constitucional que redigiu o texto rejeitado foi eleita com voto facultativo, com ampla participação de candidatos não filiados a partidos e tinha cadeiras reservadas para os povos indígenas, além de paridade de homens e mulheres.
Temas intocáveis e ausência do governo
A Chile Vamos também insiste em que o novo organismo eleito tenha temas considerados “intocáveis”, como a autonomia do Banco Central, que impede o governo de definir a política macroeconômica, ou os direitos de propriedade privada. Já se imaginava que, com a derrota do texto constituinte, a direita viria forte para tornar o novo texto recuado e impedir os avanços econômicos previstos anteriormente.
Outro tema ainda em discussão diz respeito ao prazo para encerrar o processo, que os conservadores querem que seja o mais longo possível. O governo, por meio da nova ministra do Interior, Carolina Tohá, do PPD, já sugeriu a elaboração de uma nova Constituição antes de 11 de setembro do ano que vem, quando se completam 50 anos do golpe militar liderado por Pinochet, a fim de que um ciclo seja fechado.
A Convenção Constitucional que redigiu o texto rejeitado no voto do início do mês foi eleita com voto facultativo, com ampla participação de candidatos não filiados a partidos e tinha cadeiras reservadas para os povos indígenas, além de paridade de homens e mulheres.
Pouco após a fala de Vallejo, os partidos de oposição começaram a reclamar, afirmando que o Palácio de La Moneda não deve se precipitar ou impor suas vontades. “O que pedimos é que (…) o governo não paute [o debate], e vivemos dias em que isso tem acontecido”, disse Chahuán, afirmando ter conversado com representantes do governo que prometeram que isso não se repetirá.
Pedem também que os integrantes dos grupos que defendiam o rechaço ao projeto rejeitado no dia 4 tenham mais protagonismo na mesa de debates.
Embora tenha havido disposição de várias partes em chegar a um acordo, o Chile Vamos insiste que não quer diálogo “sob circunstância alguma”. Com isso demonstra que as condicionantes não passam de encenação, quando na verdade não tem interesse em um novo texto constitucional.
Após o grupo sair da reunião, o presidente do Senado, Álvaro Elizalde, disse que conversará com todos os lados para decidir como proceder com as conversas e que anunciará os próximos passos nesta quinta-feira. Quando os ânimos se acirram, disse ele, “alguém tem que manter a cabeça fria”.
O presidente da Câmara, Raúl Soto, do Partido pela Democracia (PPD), por sua vez, disse que considera as demandas do Chile Vamos “atendíveis” e que podem debater metodologias para agradar todas as partes. A coalizão de direita, entretanto, reafirmou que não vai à reunião de quinta, independente das condições.
Diante da repercussão negativa, Camila reafirmou que, “apesar de o Estado não ser um ator que negocia neste espaço”, será um “colegislador”. “Como governo, temos responsabilidade sobre tudo que diz respeito a avanços democráticos. Portanto, temos um papel, entendendo que os protagonistas são os parlamentares, os partidos políticos”, disse ela.
Parlamentares de centro exigiram que o Chile Vamos pare de buscar “desculpas” para não negociar, considerando a reação exagerada.
(por Cezar Xavier)