Avião de carga ucraniano destruído por forças russas (BBC)

No auge da assim chamada ‘contraofensiva dos 200 dias’ de parte do regime de Kiev, as perdas das forças ucranianas entre 6 e 10 de setembro alcançaram mais de 4 mil mortos e mais de 8 mil feridos, registrou o Ministério da Defesa russo, em um balanço sobre os recentes desdobramentos na operação de desnazificação e desmilitarização da Ucrânia e proteção da população do Donbass.

Números que abarcam tanto a fracassada tentativa ucraniana ao sul (na linha Nikolaiev-Krivoy, com Kherson como alvo) quanto o reposicionamento das tropas russas e forças voluntárias do Donbass desde Izium para a margem oriental do rio Oskil, com Izium voltando ao controle ucraniano.

Apesar das assombrosas baixas, o fato foi amplamente comemorado pela mídia ocidental e, claro, pelo regime de Zelensky, como a “virada começou”.

Kiev clamou pela ‘reconquista’ de 2.000 km2, depois inflados para ‘8.000’, dos 120.000 km2 controlados pelas tropas russas e do Donbass. Nos dias seguintes, as baixas ucranianas diárias têm variado entre 200 e 500 soldados.

A cidade de Kupiansk ficou dividida: tropas ucranianas na margem ocidental do rio Oskil, russos na parte oriental. Segundo o respeitado correspondente de guerra russo Evgenii Poddubnyi, que transmite desde lá, a frente se estabilizou.

Em paralelo a isso, forças russas entraram nos subúrbios de Bahmut, em Donetsk, que muitos consideram o vértice da linha de defesa fortificada ucraniana no Donbass, o que pode abrir caminho aos redutos de Slavyansk e Kramatorsk.

Curiosamente, partiu do porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, na terça-feira (13) a iniciativa de lançar, como se diria antigamente, “um pouco de fel” na açucarada limonada servida pela mídia da casa.

Ele alertou os repórteres de que os russos “claramente ainda têm um exército capaz de inflingir um grande dano e baixas”, um exército “muito grande e muito poderoso” e que o presidente Putin “ainda tem um monte terrível de capacidade militar deixada à sua disposição, não apenas para ser usada na Ucrânia, mas potencialmente por toda a parte”.

Observações, digamos, preventivas: tem eleição em novembro, Biden está tentando melhorar as perspectivas democratas, quer capitalizar o ódio aos russos, mas como guerra tem idas e vindas, é melhor não apostar a fazenda numa jogada só, e certos exageros podem acabar atrapalhando mais do que ajudando.

“A Rússia está em fuga?”, estampou The Economist. “Como a Ucrânia ganhou impulso contra a Rússia e tomou um hub crítico”, alentou-se o New York Times. “Inteligência aponta para potencial ponto de virada na guerra da Ucrânia”, cravou o Washington Post.

No front da desinformação, não faltou quem visse nisso a ‘evidência’ de que a guerra seria ‘vencida por Kiev’, e os mais eufóricos até previram que a queda de Putin estaria iminente.

Por outro lado, nas páginas do NYT generais dos EUA gabaram-se de ter planejado a ofensiva. O que confirma o que Moscou tem assinalado: trata-se de uma guerra por procuração da OTAN contra a Rússia, em que a participação direta da OTAN é a cada dia mais notória.

Na análise de Pepe Escobar, “as repúblicas populares e a Rússia nunca tiveram homens suficientes para defender uma linha de frente de 1.000 km de extensão. Todas as capacidades de inteligência da OTAN perceberam – e lucraram com isso”.

“Não havia forças armadas russas nesses assentamentos: apenas Rosgvardia, e estas não são treinadas para combater forças militares. Kiev atacou com uma vantagem de cerca de 5 a 1. As forças aliadas recuaram para evitar o cerco. Não há perdas de tropas russas porque não havia tropas russas na região”. E, como ele sublinha, “guerras não são vencidas por psyops”.

Pepe destaca que Kharkov foi “muito bem cronometrado” – já que “o General Inverno está chegando; a questão da Ucrânia já sofria de fadiga da opinião pública; e a máquina de propaganda precisava de um impulso para turbo-lubrificar a linha de ratos multibilionária de armamento”.

Como em tantas outras guerras, um episódio adverso sempre gera polêmica. Quando o governo russo decidiu retirar as tropas da região de Kiev – buscando abrir espaço para negociações, após sua manobra inicial ter mantido fixadas na capital tropas ucranianas que de outra forma teriam sido deslocadas para o front do Donbass -, também houve gente que achou que a maré tinha virado contra os russos, conversa que só cessou após a derrota dos neonazis em Mariupol e rendição do Batalhão Azov.

No front de Kherson, o regime de Kiev lançou suas tropas através da estepe nua, praticamente sem defesa antiaérea, levando-as a um verdadeiro moedor de carne sob a artilharia pesada russa. Outra parte da provocação ucraniana incluía os repetidos bombardeios ucranianos contra a central nuclear de Zaporozhia, o que, pelo risco de uma tragédia nuclear tipo Fukushima ou Chernobyl, certamente forçou os russos a muita atenção.

Nos cálculos de um militar austríaco, as baixas sofridas pelos ucranianos, sob barragem após barragem de artilharia, equivalem a duas brigadas. “Os hospitais e necrotérios das grandes cidades tão distantes quanto Odessa estão transbordando de feridos e mortos”, registrou o blogueiro russo Boris Rozhin.

O Washington Post entrevistou alguns dos militares sobreviventes. O comandante de pelotão Ihor disse que “nós perdemos cinco pessoas para cada um que os russos perderam”.

Um soldado apenas identificado como ‘Oleksandr’ disse que o fogo de artilharia russa não cessa. “Eles nos atingem o tempo inteiro. Se nós disparamos três morteiros, eles disparam 20 em retorno”.

Em relação ao impacto do revés russo em Irzum, um oficial ‘ocidental’, em declaração à Reuters, disse que no estrito sentido militar, “isto foi uma retirada, ordenada e sancionada pelo alto comando, não um colapso”.

Obviamente – ele acrescentou – “isso parece realmente dramático, é uma vasta área de terra. Mas nós temos que levar em conta que os russos têm feito algumas boas decisões em termos de encurtar suas linhas e torná-las mais defensáveis, e sacrificando território a fim de fazer isso”.

DOIS ENFOQUES

Como observa o correspondente de guerra Poddubnyi, na sua operação militar especial a Rússia optou por uma economia de meios, em função da extensão da linha de frente, de mais de 1000 km, e das tropas convocadas. “As posições da linha de frente são, relativamente falando, escassamente ‘tripuladas’, aliado a uma defesa móvel de alto poder de fogo”.

Grande parte das ações de rotina é feita pela infantaria das repúblicas do Donbass e por forças auxiliares russas, cuja função é tentar retardar o inimigo enquanto as reservas são trazidas para a frente.

Segundo ele, a estratégia da Ucrânia até agora é baseada “em um exército de dois níveis. O nível inferior consiste em bucha de canhão mal treinada que guarnece cinturões defensivos e retarda o exército russo com seus corpos, forçando uma troca de projéteis de artilharia por suas vidas. Este é o exército que a Rússia está desgastando com taxas de perda horríveis no Donbas. O exército ucraniano de primeiro nível são as forças que estão sendo treinadas e equipadas por instrutores ocidentais. O esquema ucraniano é atrasar a Rússia trocando sua bucha de canhão enquanto eles montam as forças de primeira linha para contraofensivas”.

Sobre a situação no saliente de Izium, ele considera que a Ucrânia, por não ter a capacidade de comprometer operacionalmente as forças russas ali “se defrontará com um bom e velho tiroteio contra um inimigo com poder de fogo muito superior” – e sem perspectiva de cruzar o rio Oskil.

A escolha que a Ucrânia enfrenta agora é se continua a canalizar forças para o saliente que eles mesmos criaram – em outras palavras, a Ucrânia agora decide a escala de suas perdas, ele reitera. De acordo com canais internos ucranianos, eles estão planejando dobrar e alimentar mais reservas.

DEBATE NA RÚSSIA

Na Rússia, começou uma discussão sobre que decisões precisam ser tomadas depois de Izium. O líder checheno Ramzan Kadyrov, cujas tropas vêm atuando na campanha do Donbass, criticou “erros” e depois propôs que cada uma das mais de 80 regiões da Federação Russa forme uma força voluntária com 1.000 pessoas para reforçar o contingente da operação especial de desnazificação da república vizinha.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, prontamente se contrapôs às propostas de decretação da mobilização geral, e até mesmo parcial. No lugar, está em ponderação a mudança de operação militar especial para operação antiterrorista. O que, pelas leis russas, daria mais alternativas ao governo russo para levar adiante a missão.

O líder dos comunistas russos, Genady Zyuganov, defendeu uma “mobilização máxima de forças e recursos”, denunciou que os EUA e a OTAN declararam uma guerra de pleno direito à Rússia e advertiu que “a questão da vitória no Donbass é a questão da nossa sobrevivência histórica”.

Ele observou, ainda, que os globalistas há muito chamam a Rússia de inimigo número 1, junto com a China. “Os ianques estão bem cientes de que a dominação dos anglo-saxões no planeta está terminando. E, para prolongá-la, é necessário, antes de tudo, derrotar a Rússia”.

Sobre os acontecimentos de Izium, ele apontou que as tropas ucranianas fizeram um avanço, “mas não têm unidades poderosas que possam atacar a lacuna que se abriu. Como resultado, eles se encontraram em uma armadilha, que, acredito, as Forças Armadas de FR fecharão em breve – liquidarão as unidades ucranianas que avançaram”.

FALA O EMBAIXADOR

O embaixador russo, Anatoly Antonov, disse à agência RIA Novosti que no atual contexto as declarações de Washington de que os EUA não são parte do conflito “soam absolutamente ridículas e infundadas”. “Fatos e entrevistas de antigos e atuais políticos e generais dizem o contrário.”

“Os vídeos atualmente exibidos nos canais ocidentais demonstram claramente que soldados e oficiais que falam inglês fluentemente, muitos com acentuado sotaque britânico e americano, estão lutando contra nós”, acrescentou.

Segundo o próprio Pentágono, os EUA enviaram à Ucrânia “mais de US$ 17,2 bilhões em assistência de segurança” desde 2014 e outros US$ 14,5 bilhões desde fevereiro.

Os patronos de Kiev estão “famintos de poder e dinheiro” e não estão interessados em soluções pacíficas, disse Antonov. Há pouca ou nenhuma conversa no Ocidente sobre negociações, apenas sobre o envio de mais armas para a Ucrânia, assinalou.

“O principal objetivo deles é derrotar a Rússia por qualquer meio e, posteriormente, impedir que ela desempenhe um papel fundamental na arena internacional. E se possível, quebre em pedaços”, disse o embaixador. “Eles não vão parar de empurrar a Ucrânia para novas aventuras suicidas, como as ‘ofensivas’ que estavam condenadas desde o início.”

Na segunda-feira, o New York Times registrou que os EUA e o Reino Unido estiveram envolvidos no planejamento da operação em Izium, incluindo a admissão do chefe de política do Pentágono, Colin Kahl.

“A situação atual de Washington incitando Kiev contra nós é um fato óbvio e indiscutível”, disse Antonov. Se os americanos concordarem com as demandas “insanas” da Ucrânia por mísseis de longo alcance, ele advertiu, “tal cenário significaria envolvimento direto dos EUA em um confronto militar com a Rússia”.

Papiro