Gestão da dívida pública de Paulo Guedes não reflete ‘preocupação’ que disse ter, aponta economista
Em 2018, o então presidente eleito Jair Bolsonaro falou em renegociar a dívida pública. No mesmo dia, o então cotado como “superministro” da Economia, Paulo Guedes quis explicar a afirmação do presidente: “Durante a campanha, falei que tínhamos uma despesa de juros demasiada. Não é razoável o Brasil gastar US$ 100 bilhões em juros ao ano. Isso é reconstruir uma Europa por ano. Então falei tantas vezes que juros são excessivos que o presidente talvez tenha falado ‘ah, então vamos renegociar’. Mas isso está fora de questão. Não se pensa nisso, isso não existe. O que existe é uma preocupação com a dívida”.
Apesar da preocupação, as despesas do governo com os juros da dívida pública chegaram a R$500 bilhões nos últimos 12 meses (até maio), como anunciado pelo Banco Central. A expectativa com o fechamento de 2022 é que o valor supere o recorde de janeiro de 2016 de R$540 bilhões.
O cenário é impulsionado pela taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano que foi mantida no atual patamar após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Ao manter a taxa, o ciclo de alta foi encerrado depois de 12 aumentos consecutivos que levaram a Selic de 2% a.a. para os 13,75% a.a., um dos maiores e mais longos ciclos de alta.
Segundo o economista e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Paulo Kliass, a declaração foi feita em época de campanha, quando Guedes falava em privatizar todas as estatais e a Previdência Social, ocasião em que deu essa declaração sobre taxa de juros e dívida pública.
De acordo com Kliass, todos sabiam que não seria possível levar a sério a declaração, ainda mais por parte do ministro, classificado como “banqueiro” e defensor dos interesses do sistema financeiro.
“Ele [Guedes] dizia não ser razoável gastar US$ 100 bilhões em juros ao ano. O que aconteceu é que desde que ele entrou no governo como superministro da economia, as despesas orçamentárias com juros só fizeram aumentar. Esse discurso que não dá para gastar cem bilhões […] eles gastaram os US$ 100 bilhões. Essa ideia de construir uma Europa por ano é baboseira, até porque reconstruir uma Europa é muito mais caro”, apontou Kliass ao lembrar que a pasta de Guedes concentrou poderes como nunca ao abrigar as funções dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Apesar da política fiscal de Guedes, o economista observa não ser justificável que o Brasil tenha uma despesa tão grande com juros como acontece atualmente.
No entanto, a despesa acontece por conta do compromisso desse governo (e historicamente dos anteriores) com superávit primário, em que se comprime despesas e gastos não financeiros, como por exemplo, em educação, saúde, previdência, saneamento, investimento e outros. Com isso, o governo visa ter recursos positivos para promover o pagamento das despesas financeiras, que nada mais são do que juros da dívida pública.
“Ao longo do último ano nem superávit primário o Guedes conseguiu gerar. Ele está marcando sua presença no governo por sucessivos déficits, inclusive primários. Isso acontece porque a economia está em recessão e um dos resultados, além do desemprego e da crise, é que as receitas do estado para fazer face às despesas também caem. Então você tem um déficit fiscal que é agravado ainda mais pelo déficit que é derivado do pagamento dos juros da dívida pública”, critica o economista.