A fumaça gerada por queimadas em parte do Amazonas,  Acre e Mato Grosso, se espalhou sobre o Brasil, chegando também em grande parte do Centro-Oeste, no Paraná, Santa Catarina e até na cidade de São Paulo.

Nesta sexta-feira (09), a capital paulista amanheceu com o céu coberto por um nevoeiro cinza. Moradores de diversos bairros relataram nas redes sociais sentir um cheiro de queimado em bairros da Zona Sul, Norte e Leste.

“Dá para você um pouco de efeito da fumaça da Amazônia, principalmente em áreas de São Paulo que estiverem com o horizonte mais amarelado. Esse amarelado identifica, sim, a presença de fumaça de queimadas da Amazônia”, disse Cesar Souto, meteorologista da Climatempo.

Ainda de acordo com especialista, as áreas amareladas que aparecem em imagens de satélite não são formadas por nuvens, mas por fumaça das queimadas.

“É fumaça das queimadas. E ela avança em direção ao estado de SP. Então podemos, sim, estar tendo o efeito dessa fumaça em São Paulo e na Região Metropolitana. Só não tem como cravar que a fumaça é só isso”.

Ele destaca que pode ser consequência do clima seco, da poluição automobilística e das fábricas.

Os bombeiros afirmam que também receberam alertas sobre o cheiro de queimado, mas não encontraram nenhum ponto de queimada na cidade ou proximidade.

SETEMBRO DE DESTRUIÇÃO

As queimadas na Amazônia na primeira semana de setembro, que teve o Dia da Amazônia, superam a de todo o mês de setembro de 2021. Entre os dias 1º e 7, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 18.374 focos de incêndio.

O índice ultrapassa os 16.742 focos de todo o mês de setembro do ano passado. Segundo o Inpe, até o momento, o bioma teve 64 mil focos de incêndio em 2022. O dado confirma a superação, desde maio, de todos os números de 2021, que totalizaram 75.090 registros.

“Há, aparentemente, várias névoas de fumaça cinzenta sobre a região central da América do Sul nesta manhã”, informa um dos perfis da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos), que postou no Twitter uma animação da enorme nuvem de fumaça.

Na segunda-feira (5), a dispersão do rastro de fumaça atingiu o Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Pará. Na quarta-feira (7), chegou em São Paulo, Paraná e Bolívia. Em Rio Branco, no Acre, a poluição avançou em níveis 13 vezes maiores que o recomendado pela Organização Mundial da saúde (OMS).

Os focos de incêndio estão por toda parte e foram, em quase 100% dos casos, iniciados por desmatadores. “É um crime contra a humanidade, não é só um crime ambiental. Estão matando a Amazônia”, diz à DW Brasil Auricélia Fonseca Arapium. Auricélia coordena o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (Cita), e sobrevoou a região com a equipe da DW, a convite do Instituto Climainfo.

Embora todos tivessem sido identificados pelo sistema de alerta de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o governo federal nada fez para combater às chamas em campo, informa reportagem da DW Brasil, que sobrevoou a área. Nesta época de seca na Amazônia, que se estende até outubro, o fogo deve se alastrar para além dos restos da mata derrubada e acabar com árvores.

À medida que o avião se distancia de Santarém, de onde decolou, os grandes buracos de tom marrom surgem no horizonte. “São garimpos abertos com máquinas pesadas, que mais parecem grandes estradas forjadas sobre o verde”, explica a DW.

“Foi muito impactante e eu fico muito emocionada. A gente sabe o que significa um território vivo, um rio vivo. Eu sou mãe. O que vai ser do nosso futuro?”, questiona a coordenadora do Cita sobre os impactos da destruição, “sem conseguir conter o choro”, relata a reportagem.

Em agosto de 2022, o pior agosto em focos de queimada na Amazônia dos últimos 12 anos, o Pará foi o estado mais afetado. Ele também lidera em desmatamento, segundo dados do Inpe.

Entre as zonas mais destruídas estão a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós e a Floresta Nacional do Jamanxim, unidades de conservação incluídas na rota do sobrevoo.

“Antigamente, era mais difícil chegar a locais como este. Hoje, já existem muitas estradas abertas clandestinamente por madeireiros, por garimpeiros, o que facilita o acesso”, explicou o piloto à equipe da DW.

“A maior parte dessas vias estão dentro da Terra Indígena (TI) Munduruku. A invasão de garimpeiros denunciada seguidamente por lideranças é gritante do alto: zonas de garimpo têm pista de pouso, acampamento e maquinário”, diz a DW.

“A gente sangra também. A nossa mãe terra está pedindo socorro, e a gente, principalmente como mulher indígena, traz muito para nós essa responsabilidade”, diz Auricélia, ao descrever o que sente diante desse cenário.

“Grande parte do desmatamento é associada à agropecuária, especialmente para o plantio de pastos. O desmatamento associado aos garimpos é bem menor em área, mas seus impactos são profundos no solo e amplos nos sistemas aquáticos”, afirma à DW Brasil Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Barreto estuda há décadas o cenário que impulsiona a destruição da floresta.

Na Amazônia, aponta o pesquisador, dois grandes vetores seguem estimulando o desmatamento. O primeiro deles, aponta, é o enfraquecimento das políticas de controle e os incentivos dados à ocupação e exploração de recursos naturais “com promessas de mudanças legais para regularizar atividades ilegais como a grilagem e os garimpos, inclusive em terras indígenas”.

A alta dos preços das commodities agrícolas e do ouro é vista como o segundo vetor. “Isso estimula uma corrida para aquisição de terras – inclusive a grilagem – e a garimpagem”, cita Paulo Barreto.

Ele acredita que a influência do período eleitoral agrave essa realidade. “Os políticos evitam fiscalizar e perder apoio de empresários e políticos locais. Nesta eleição, dados indicam um agravamento desta tendência, pois o governo atual tem promovido o desmatamento enquanto vários candidatos têm prometido voltar a fiscalização”, comenta Barreto.

Para o pesquisador do Imazon, os devastadores parecem querer usar o resto do mandato de Jair Bolsonaro, que concorre à reeleição, para desmatar à exaustão. “Mesmo que as políticas mudem no futuro, eles vão pressionar para manter o que foi desmatado, incluindo perdões de crimes ambientais e fundiários”, preconiza.

Auricélia Fonseca Arapium também responsabiliza o atual governo pelo acirramento das invasões às áreas protegidas na Amazônia. “O governo incita isso. Ele incita o tempo todo essa violência. São momentos bem difíceis nestes últimos quatro anos, são momentos de terror”, afirma.

“A gente tem que continuar denunciando o que estão fazendo com nossos territórios, com nossas vidas, com nosso futuro”, defende. “A Amazônia é rica e nós vivemos nessa riqueza. Nós queremos que ela continue para que a humanidade também continue”, diz a liderança indígena.

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