Fome é ainda mais grave em lares com crianças de até 10 anos
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan) divulgou nesta quarta-feira (14) dados complementares do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, onde aponta que, em números absolutos, mais de 125,2 milhões de brasileiros sofrem com algum nível de insegurança alimentar, sendo que 33,1 milhões passam fome.
A edição recente da pesquisa mostra que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave (fome) – e que o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
Com a economia estagnada, agravada pelo negacionismo do governo durante a pandemia e o desmonte das políticas públicas, Bolsonaro fez explodir a fome no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,3 milhões de pessoas viviam em domicílios com insegurança alimentar grave entre 2017-2018, o número saltou para 33,1 milhões.
O risco da fome atinge 37,8% dos domicílios onde vivem crianças de até 10 anos e a maior proporção de famílias nessa situação está nas regiões Norte e Nordeste do país, aponta a pesquisa.
Na análise da Insegurança Alimentar grave, que atinge 33,1 milhões de brasileiros, alguns estados se destacam, com altas prevalências em suas respectivas regiões. Da população que convive com a fome na região Norte, 2,6 milhões de pessoas estão no estado do Pará, enquanto na região Nordeste 2,4 milhões vivem no Ceará; 2,1 milhões no Maranhão e em Pernambuco; 1,7 milhão de pessoas na Bahia; 1,2 milhão de pessoas em Alagoas; e 1,1 milhão de pessoas no Piauí.
O Sudeste, que é a região mais populosa do país, tem em números absolutos o maior contingente de pessoas passando fome, das quais 6,8 milhões em São Paulo e 2,7 milhões no Estado do Rio de Janeiro. “Entretanto, considerando o total das populações de cada macrorregião, a maior proporção daqueles que convivem com a fome é de moradores das regiões Norte e Nordeste do país”, ressaltou a Rede Penssan.
Considerando toda a população em insegurança alimentar (leve, moderada ou grave), São Paulo também lidera, com 26 milhões, seguido por Minas Gerais, com 11,2 milhões.
A fome no Brasil se agrava ainda mais com a inflação dos alimentos que explodiu no governo Bolsonaro. Nos últimos 12 meses até agosto, os alimentos acumulam alta de 13,43%, superior ao índice de inflação geral (IPCA), que fechou em alta de 8,73% no mesmo período. Destaques para as altas nos preços do frango em pedaços (17,91%), frutas (32,03%), ovo (17,40%), leite longa vida (60,81%), farinha de trigo (33,22%), cebola (91,21%), pão francês (16,73%), queijo (26,97%), e café moído (46,34%).
Na carestia dos alimentos, as crianças são as que mais sofrem.
A pesquisa da Rede Penssan aponta que em 37,8% dos lares com crianças de até 10 anos, houve fome ou redução de quantidade e qualidade dos alimentos. No Maranhão, são 63,3% das casas com crianças nessa condição, Amapá (60,1%), Alagoas (59,9%), Amazonas (54,4%), Pará (53,4%), Ceará (51,6%), Sergipe (54,6%), São Paulo (37,6%), Rio de Janeiro (33,3%) e Rio Grande do Sul (40,0%).
RENDA INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO
De acordo com a Rede Penssan, as análises mostraram que em qualquer estado as famílias mais propensas ao acesso inadequado aos alimentos e, portanto, mais vulneráveis à fome são aquelas com renda inferior a 1/2 Salário mínimo per capita (SMPC).
“São consideradas muito preocupantes aquelas situações em que mais da metade dos domicílios tem renda até 1/2 SMPC e experimentam altas proporções de Insegurança Alimentar moderada e grave, a saber: Pará (67,6%), Acre (65,6%), Amazonas (63,9%), Amapá (61,1%), Rondônia (60,8%), Tocantins (59,1%), Roraima (56,8%), na região Norte; Sergipe (76,5%), Maranhão (72,0%), Piauí (66,1%), Ceará (65,2%), Pernambuco (62,1%) e Alagoas (59,6%), na região Nordeste; Rio de Janeiro (61,0%), São Paulo (58,4%) e Minas Gerais (51,1%), na região Sudeste; Santa Catarina (65,7%) e Rio Grande do Sul (64,4%), na região Sul; DF (63,9%) no Centro-Oeste”, apontou a pesquisa.
DESEMPREGO E TRABALHO PRECÁRIO
O tipo de vínculo de emprego também se demonstrou um fator importante na realidade das famílias que passam por algum tipo de Insegurança Alimentar. De acordo com a PENSSAN, a condição de emprego formal estava associada à presença da Segurança Alimentar e Insegurança Alimentar leve em mais de 2/3 das famílias, por conferir maior estabilidade financeira, sendo em maior proporção na Paraíba (92,8%) e no Rio Grande do Norte (92,2%), e, em menor proporção, no Maranhão (56,3%) e em Alagoas (56,1%).
O oposto foi observado em domicílios com o chefe da família desempregado ou em situação de informalidade, ou seja, exercendo atividades de trabalho precário, com instabilidade ou jornada excessiva, baixos salários e sem direitos trabalhistas. Nessas circunstâncias, a Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar leve é inferior a 60,0%, exceto em apenas oito das 27 Unidades da Federação. Já as formas mais severas de Insegurança Alimentar (IA moderada + grave) foi superior a 60,0% nos seguintes estados do Nordeste: Sergipe (72,2%), Ceará (66,0%), Maranhão (64,7%), Alagoas (61,5%) e Pernambuco (60,7%).
“Dentre as famílias cujos responsáveis mantinham trabalho autônomo, a capacidade de acesso aos alimentos era intermediária às duas condições anteriores (condição de desemprego ou trabalho formal), sendo, entretanto, as proporções de domicílios em situação de IA moderada + grave superiores às médias nacional e regional em estados da região Norte (Acre: 44,8%; Amazonas: 41,5%; Pará: 51,7%; Amapá: 51,2%), do
Nordeste (Maranhão: 54,4% e Ceará: 41,9%) e Centro-Oeste (Mato Grosso: 35,0%; Distrito Federal: 34,4%)”, observam os pesquisadores.
Dados recentes do IBGE apontam que no Brasil há mais de 39 milhões de pessoas, ou quase 40% da força de trabalho no país na informalidade do trabalho. Junta-se a isso, a população abertamente desempregada, estimada em 9,9 milhões, os mais 4,2 milhões de “desalentados”, pessoas que desistiram de procurar emprego por não acreditar que há oportunidade ou por outros motivos. A soma dos que estão sem emprego algum com aqueles que fazem bicos vai a 24,3 milhões (“subutilizados”).
Com a maioria das vagas ocupadas em atividades descalçados de direitos trabalhistas, o rendimento do trabalho médio caiu de 2,9% no ano, ao chegar a R$ 2.693 no trimestre de maio a julho de 2022. No mesmo período do ano passado, o rendimento médio real habitual era de R$ 2.773. O valor de R$ 2.693 também está 5% abaixo da fase pré-pandemia (fevereiro de 2020).
A Rede Penssan, que reúne entidades como Ação da Cidadania, Oxfam, Vox Populi e Actionaid, realizou a pesquisa em 12.745 domicílios de 577 cidades, em todos os estados do país e no Distrito Federal, entre novembro do ano passado a abril deste ano.
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