Foto: divulgação

Na contramão de boa parte das cidades que rotineiramente reajustam o valor de suas passagens inviabilizando a locomoção para a população mais pobre, há no Brasil ao menos 43 municípios que implantaram a tarifa zero, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A quantidade ainda é baixa diante do tamanho do país, que conta com mais de cinco mil municípios, mas mostra que há viabilidade de implantação ao menos em localidades menores.

“Temos algumas cidades de porte médio, mas, de maneira geral, são cidades pequenas (que aplicam a tarifa zero), onde o sistema de transporte não representa um custo bastante significativo. Outra característica é que muitos desses municípios têm receitas advindas de algum tipo de atividade econômica realizado em seu território, o que abre espaço no orçamento para a cobertura desses custos”, disse ao G1 o diretor de gestão da NTU, Marcos Bicalho dos Santos. Além disso, em alguns locais foi preciso implantar esse tipo de modalidade diante das dificuldades enfrentadas pela população em meio à crise e à pandemia. 

O transporte é um direito social — ao lado de educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia, entre outros — garantido na Constituição. Foi introduzido pela emenda 90/2015, de autoria da então deputada pelo PSB-SP, Luiza Erundina, hoje no Psol. Porém, assim como outros da lista, não é um direito plenamente acessível a todos e se tornou mais uma dificuldade a ser enfrentada no dia a dia dos cidadãos mais vulneráveis, especialmente no contexto atual, marcado pelo desemprego e redução na renda. 

Maricá (RJ), com 161 mil habitantes, onde há tarifa zero desde 2014, é uma das cidades exemplares desse tipo de política. ”A primeira vantagem do Tarifa Zero é que, por não pagar passagem, o morador tem mais dinheiro no bolso e pode gastar com alimentação, no comércio ou com serviços. A segunda é poder circular por todo o município, e isso traz integração e sentimento de pertencimento, porque as pessoas participam da cultura e da vida da cidade”, explicou o prefeito Fabiano Horta (PT), ao UOL. 

A lista de cidades que aplicam a tarifa zero tem ainda Ibirité, na Grande Belo Horizonte, a mais recente a implantar o sistema; São Luís (MA), Holambra e Vargem Grande Paulista (SP): Pedro Osório (RS); Mariana (MG); Aquiraz (CE), entre outras.  

Viabilidade

O fato de o modelo atingir esse número de municípios indica que ele é replicável e uma demonstração de viabilidade, disse, ao Portal Vermelho, Carolina Requena Pereira, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política e especialista em mobilidade urbana. 

No entanto, explica, “essa viabilidade tem alguns contornos específicos, por exemplo, o porte dos municípios; normalmente são municípios pequenos que conseguem fazer esse tipo de iniciativa hoje porque em escala reduzida, você gere mais facilmente essa transição para a tarifa zero. Em cidades muito grandes, esse problema de escala toma outras proporções e você não consegue manobrar muito o orçamento”. 

Nos lugares em que é possível, aponta Carolina, “é a melhor solução para a cidadania porque você desonera as pessoas de um custo alto. No Brasil é muito caro você usar o transporte nos sistemas urbanos, as tarifas são altas e os salários são baixos”. 

Atualmente, o brasileiro gasta pelo menos 17,66% do salário mínimo com transporte público, o que faz o país figurar na 36ª posição entre os mais caros, segundo dados do Numbeo, um banco de dados mundial sobre custo de vida. 

Um “meio de caminho” entre a situação atual e a tarifa zero seria reduzir o valor das passagens, o que implicaria enfrentar os interesses dos empresários do ramo. “Acredito que seria possível as tarifas nas grandes cidades custarem bem menos para quem paga, para a cidadania. Mas, isso envolveria uma operação de abrir as contas dos provedores privados, o que é uma uma grande dificuldade”.

Assim como outros especialistas, Carolina aponta ainda a possibilidade de se construir uma espécie de SUS na área. “Mas, a gente não tem uma tradição nos transportes de federalização desse sentido”. Então, explica que por ora, “poderia haver algum tipo de financiamento, que não precisa ser constitucionalmente vinculado, mas que se torne prática e que induza no chão, no território, a cooperação regionalizada, que extrapole o município”.