Imagem aérea captada por caça da Força Dinamarquesa mostra o momento em que o gasoduto é atingido (Min. Defesa da Dinamarca)

A Rússia anunciou na quarta-feira (28) a convocação de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, para sexta-feira, para discutir o ataque terrorista contra os gasodutos Nord Stream 1 e 2, cujos dutos sofreram explosões em três diferentes pontos na segunda-feira no Mar Báltico.

Enquanto dirigentes da União Europeia prontamente passaram a denunciar a “sabotagem”, cuja autoria tentam empurrar para cima da Rússia, o ex-ministro polonês das Relações Exteriores, agora eurodeputado, Radoslaw Sikorski, postou no Twitter uma foto do local onde ocorreram as explosões, com as palavras: “Obrigado, EUA”.

“Uma operação especial de manutenção”, ele acrescentou.

Segundo o ex-ministro polonês, “não há escassez de capacidade de gasodutos” para levar gás da Rússia para a Europa Ocidental, incluindo a Alemanha – referindo-se ao gasoduto Yamal-Europa, que passa pela Bielorrússia e Polônia. Após os danos nos gasodutos NS1 e NS2, ele previu, Putin “terá que conversar com os países que controlam” a rota alternativa.

A operadora Nord Stream AG considerou que os danos ao sistema de gasodutos – três dos quatro dutos foram afetados – “sem precedentes”.

O Nord Stream 1 — de 1.224 quilômetros e que funciona desde 2011 – foi projetado para fornecer combustível azul através do mar Báltico, desde o ponto de entrada em Vyborg, na Rússia, até o ponto de saída em Lubmin, na Alemanha, com capacidade de 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, via dois dutos. Ele se encontrava paralisado desde agosto, por problemas de manutenção das turbinas de compressão, em decorrência das sanções. O Nord Stream 2, de mesma capacidade, está pronto, mas a Alemanha barrou sua entrada em operação, atendendo a Washington. Os dois gasodutos continuavam preenchidos com o chamado gás técnico, de pressurização.

ATENTADO É “OPORTUNIDADE”, DIZ BLINKEN

Por sua vez, sem o menor pejo, o secretário de Estado Anthony Blinken classificou o ocorrido de “oportunidade” para libertar a Europa do gás russo. Ele assegurou que os vazamentos “não terão impacto significativo na resiliência do suprimento de energia da Europa” e que os EUA “trabalharão todos os dias, tanto no curto quanto no longo prazo, para melhorar a segurança energética na Europa e em todo o mundo.”

Posteriormente, um porta-voz do Departamento de Estado precisou vir a público asseverar que a ideia de que os EUA estavam de alguma forma envolvidos na sabotagem desses gasodutos “é absurda”, coisa da “desinformação russa”.

No mês passado, o presidente polonês Andrzej Duda exigiu que o Nord Stream 2 fosse “totalmente descartado”.

BIDEN EM FEVEREIRO: “EU PROMETO”

Também recebeu enorme destaque nas redes sociais no mundo inteiro o vídeo de entrevista do presidente Joe Biden à ABC News, em fevereiro, em que este diz que, se houver invasão da Ucrânia, vai “acabar” com o Nord Stream 2.

O vice-embaixador russo na ONU, Dmitry Polyanskiy, agradeceu a Sikorski por “deixar claro quem está por trás desse ataque terrorista à infraestrutura civil!”.

O agora eurodeputado, quando era ministro das Relações Exteriores da Polônia, deu uma ajuda considerável ao então vice Biden no golpe em Kiev de 2014. Aliás, a mídia polonesa reagiu à indiscrição de Sikorski como uma demonstração de sua ‘falta de cérebro’.

Manifestações em várias cidades da Alemanha e na República Checa contra a carestia e a ameaça de congelar no inverno vinham exigindo de seus governos a reavaliação das sanções contra o gás russo e a entrada em operação do Nord Stream 2.

O sismólogo Bjorn Lund, da Universidade de Uppsala, disse que os dados sísmicos captados por ele e seus colegas nórdicos mostram que as explosões ocorreram na água e não na rocha sob o leito marinho. Não foram explosões pequenas. Segundo os sismólogos suecos, “pelo menos 100 kg de TNT (talvez mais) foram usados para destruir os dutos.”

Os atentados ocorreram nas proximidades da ilha dinamarquesa de Bornholm, em águas internacionais, mas nas plataformas econômicas marítimas da Dinamarca e da Suécia. Os dois primeiros, às 2h03 da manhã de segunda-feira no

NS1 (a nordeste da ilha) e o terceiro, às 19h04, no NS2 (a sudeste). Nas imediações da ilha dinamarquesa, o NS1 está danificado em uma área onde a profundidade varia entre 45-50 metros, enquanto o NS2 foi atingido a 50-60 metros.

O que indica a utilização de drones subaquáticos não tripulados, tipo de arma que faz parte do arsenal da Otan e é controlada via cabo de fibra ótica. Possui câmera de orientação, sonar e capacidade de carga útil que permite entregar 100 ou mais quilos de explosivos ao local do impacto.

Curiosamente, em junho durante os exercícios navais Baltops 22, nas imediações da ilha de Bornholm, a Otan ensaiou o emprego bem sucedido de drones subaquáticos, segundo registro da edição de julho da revista especializada Sea Power, com a presença do USS Kearsarge.

Há a questão do precedente. Os exercícios navais da OTAN no Báltico em 2021 ocorreram justamente nas proximidades do local onde o navio Fortuna, operando para a Nord Stream 2, estava colocando dutos naquele momento. Episódio que ficaram marcados pelo assédio de navios e helicópteros poloneses ao pacífico trabalho desempenhado pelo Fortuna e sua tripulação.

A condição de sabotagem aberta aos gasodutos foi admitida por autoridades alemães tão logo ficou confirmado o vazamento precedido por explosões. “Nossa imaginação não permite um cenário que não seja um ataque direcionado”, citou Tagesspielge.

Também a primeira-ministra dinamarquesa disse ser “difícil imaginar” que os vazamentos fossem “acidentais”. Vídeo da marinha dinamarquesa mostrou que o vazamento de gás chegara a causar uma ‘mancha’ na superfície do mar de cerca de um quilômetro de diâmetro.

Fontes de segurança da Alemanha afirmaram à agência de notícias DPA haver indícios de sabotagem e que apenas “um agente estatal” poderia causar tal problema “devido às complexidades técnicas”. Segundo Tagesspiegel, estão sendo trabalhadas duas hipóteses sobre os atentados: obra de forças ucranianas ou de grupos ligados à Ucrânia [para culpar a Rússia] ou uma operação de “falsa bandeira” feita pela Rússia. Não é difícil imaginar a que tende a prevalecer, na atual fase de acoelhamento de Berlim.

A chefe do Comitê de Defesa do parlamento alemão, Marie-Agnes Strack-Zimmermann, disse a jornalistas que “não se pode descartar que [tais ataques] sejam dirigidos pela Rússia para abalar nossos mercados”. Ela também aproveitou a ocasião para pedir à Alemanha e à UE que se “libertassem” da “dependência das matérias-primas russas o mais rápido possível”.

Diante do contorcionismo realizado por certos círculos europeus para tentarem desviar, contra a Rússia, a acusação de “autoria”, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, assinalou que nem a Rússia nem a Europa tinham nada a ganhar com a destruição dos gasodutos.

Para a Alemanha – ele registrou -, o ataque “representa uma ameaça ao desenvolvimento futuro de sua indústria, bem como sua lucratividade e competitividade”.

Os fornecedores norte-americanos de GNL, por outro lado, têm obtido lucros incríveis depois de multiplicar suas entregas no continente europeu, apontou Peskov, acrescentando que essas empresas estão “muito interessadas em manter esses lucros extraordinários no futuro”.

Como destacou o articulista da RT Deutschland, Gert Ewen Ungar, “é implausível” que a Rússia esteja destruindo sua própria infraestrutura, na qual já investiu bilhões.

“Especialmente porque a Rússia poderia ter alcançado todos os objetivos que o Ocidente atribui ao país simplesmente desligando. A Rússia literalmente tem a vantagem e pode acabar com o gasoduto com o apertar de um botão. Não é necessário danificar toda a infraestrutura”.

Os alemães e os europeus – ele acrescenta – deveriam se perguntar quem tem mais interesse aqui, quem tem o melhor motivo e também quem tem o menor dano. “Tudo isso aponta para longe da Rússia e aponta para os Estados Unidos”.

Por sua vez, a porta-voz Maria Zakharova enfatizou que os danos ao oleoduto em três lugares só beneficiariam a Polônia e os Estados Unidos, que sempre se opuseram ao Nord Stream.

Era ironizou a declaração da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por uma “ação decisiva contra ‘a sabotagem’”.

“Eu não entendo: o eurodeputado Sikorski agradece aos EUA pelo que aconteceu, e quem está Ursula ‘ameaçando’ então?”, ela assinalou.

A propósito, Sikorski acrescentou em sua postagem estar “feliz que o Nord Stream, contra o qual todos os governos poloneses lutam há 20 anos, esteja três quartos paralisado. Isso é bom para a Polônia. Deixe que os investigadores dinamarqueses encontrem os culpados, quem teve os motivos e as oportunidades de fazê-lo.”

Sobre a declaração, Zakharova sublinhou que “acontece que tanto os EUA quanto a Polônia tinham motivos e oportunidades, pois ‘todos os governos poloneses lutam contra o gasoduto há 20 anos’”.

Decididamente, a imparcialidade não parece ser a principal virtude nas hostes europeias. A ministra sueca das Relações Exteriores, Ann Linde, depois de considerar o vazamento de gás nos Nord Stream “sabotagem” e acrescentar que não “descartava nenhuma causa, ator ou motivo”, disse ter discutido a questão com a Alemanha, a Otan, a Dinamarca, mas não com a Rússia – apesar dos gasodutos sabotados serem russos.

Analistas apontaram que, apesar do alvo ser a Rússia, é a Alemanha que está sendo golpeada em cheio, em especial sua indústria, que depende de energia barata para manter sua competitividade, e é cada vez maior a tendência à recessão.

Papiro