Multidão tomou as ruas de Bruxelas contra carestia e aumento nas tarifas de energia (AFP)

Em Bruxelas, o “outono do descontentamento” já começou, com mais de dez mil pessoas nas ruas exigindo redução nas insuportáveis contas de energia, infladas pela política de sanções contra o petróleo e gás russo, decretadas por Washington e acatadas entusiasticamente pela União Europeia, acarretando uma escassez artificial do gás e consequente alta do preço.

O que, por uma “questão de mercado”, alcança até a energia que é produzida não por gás, por termelétrica, mas por central nuclear!

Segundo uma pesquisa, como registrado pela Associated Press, 64% dos belgas temem não ser capazes de pagar as contas de energia, que praticamente dobraram em relação há um ano atrás.

O protesto em Bruxelas foi na quarta-feira (21) e, na véspera, foram os eslovacos que foram às ruas de Bratislava repudiar alta da energia e a carestia descontrolada. No início do mês, os checos.

A manifestação foi convocada pelas três principais centrais sindicais belgas e inclusive já está marcada uma greve geral para 8 de novembro.

Trajados de verde, azul e vermelho, as cores das três centrais, “a indignação era palpável, conforme eles se concentraram no centro da cidade”, descreveu o muito moderado portal europeu Euronews.

A razão da indignação é que, com a conta média de eletricidade chegando a 9200 euros e o inverno se aproximando, o governo belga acaba de anunciar uma minúscula redução de 392 euros em novembro e dezembro, enquanto a Engie-Electrabel, que monopoliza o setor da energia, obtém lucros extraordinários.

Como denunciou o deputado oposicionista, Peter Mertens, do Partido do Trabalho da Bélgica, “o que o governo está tirando do chapéu hoje equivale a uma redução única de apenas 4% para passar o inverno”. Quando eles vão entender – acrescentou o parlamentar – que as tarifas de energia devem cair “drasticamente?” E que essa migalha “não é suficiente para proteger as pessoas do risco de pobreza?”.

“É como dizer às pessoas ‘se vire, não conte conosco’”, concluiu Mertens, denunciando o abandono das famílias por parte do atual governo. O que se torna ainda mais grave na medida em que o inverno se aproxima.

A porta-voz das centrais sindicais, Miranda Ulens, assinalou que o governo “tem o dinheiro” para subsidiar as escorchantes tarifas, mas diz que isso afetaria “nosso equilíbrio fiscal”, então, “não vão dar nada”. O povo precisa de ajuda “agora”, conclamou.

Segundo Euronews, os manifestantes querem “medidas imediatas” das autoridades, ao invés de “culpar a geopolítica” – como o portal se refere ao conflito na Ucrânia e à adesão do bloco europeu ao regime de Kiev, mesmo que às custas das condições de vida e trabalho dos europeus.

Ao portal, ‘Ludovic’, disse trabalhar “há 23 anos” e agora ser “a primeira vez” em que está tendo “dificuldades reais para sobreviver”.

Um metalúrgico identificado apenas pela procedência – “de Charleroi” – disse ao Euronews que “o governo é que tem que resolver problemas e achar soluções”, acrescentando “não se importar sobre geopolítica”. Uma forma simplificada de rechaçar a demagogia feita pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen”, que recomendou aos europeus que mandem a conta de eletricidade “para Putin”.

ARROCHO

Para o secretário nacional da central CGSLB, Olivier Valentin, há uma queda nos salários reais, mas a reforma trabalhista de 1996 dificulta a negociação da recuperação de salários. Questão também destacada em cartazes portados pelos manifestantes.

Ele acrescentou que a solução é ter mais autonomia em nossa política de energia, mais regulamentação, e advertiu que atualmente está “demasiadamente liberalizado”.

“A situação é insustentável: os preços devem cair e a Engie deve pagar”, afirmou o presidente do PTB, Raoul Hedebouw. “A Engie fará 9 bilhões em lucros excedentes com esta crise. Não podemos aceitar que centenas de milhares de famílias não saibam mais como pagar suas contas enquanto um grande grupo de energia enche seus bolsos”.

Sobre a inércia e cumplicidade do atual governo, Hedebouw observou que “para tirar do nossos bolsos, é decidido em poucos segundos, mas para ir até a Engie, 9 meses e nada. Pior, eles estão planejando um chamado imposto sobre lucros excedentes que não afetará… os lucros excedentes das usinas nucleares da Engie. É incrível”.

“Há mais de 20 anos, na Bélgica é a Engie quem decide e o governo quem executa. Um punhado de acionistas tem mais poder do que todos os nossos ministros de energia juntos”.

O presidente do partido progressista belga denunciou que a “Engie produz eletricidade em suas usinas nucleares a um preço de 35 euros por megawatt-hora, enquanto o preço de venda é de 200, 300 euros ou mais. O PTB quer que o Estado saia da lógica do mercado e imponha um preço de venda fixado com base no custo de produção (+ uma pequena margem). E também que fixe o preço do gás no máximo de 70 euros/mwh”.

E, para financiar isso, a proposta de Hedebouw é tributar os enormes lucros excedentes, “podermos baixar a conta e trazer os preços de volta ao nível de 2021”.

Em entrevista, ele também afirmou que a privatização do setor elétrico fracassou e precisa ser revista. “Vamos parar de acreditar que o mercado vai resolver tudo. Todos os partidos tradicionais, incluindo os Socialistas e os Verdes, defenderam a liberalização do setor energético, dizendo que beneficiaria o consumidor. A realidade é que o mercado sempre privilegia a lógica do lucro e retorno máximo. Devemos tirar o setor de energia das mãos das multinacionais. Precisamos de um setor público que produza energia de acordo com as necessidades dos cidadãos e o bem-estar do planeta”.

Papiro