A jornalista e cientista política assassinada, Daria Dugina, e seu pai, o filósofo Alexander Dugin (fotocomposição Yabram)

Autoridades russas acusaram na segunda-feira (22) o regime de Kiev de estar por trás do atentado que matou com uma explosão, no sábado à noite, em uma estrada perto de Moscou, a jornalista e cientista política Daria Dugina, filha do pensador russo Alexander Dugin, considerado um dos formuladores do neoeurasianismo, que se opõe ao mundo unipolar sob Washington e à globalização, a quem a mídia alistada ao Pentágono e Wall Street ridiculamente insiste em chamar de “guru” de Putin.

A Polícia Federal russa, a FSB, responsabilizou os serviços secretos ucranianos pelo atentado e revelou que a executora foi a ucraniana Natalia Pavlovona Vovk, nascida Natalia Shaban, oriunda de Mariupol, e segundo registros das redes sociais integrante do Batalhão neonazista Azov.

O próprio Dugin se pronunciou sobre o assassinato de sua filha Daria, que ele presenciou de poucos metros de distância. “Como resultado de um ataque terrorista realizado pelo regime nazista ucraniano, em 20 de agosto, ao retornar do festival Tradição perto de Moscou, minha filha Daria Dugina foi brutalmente morta por uma explosão diante dos meus olhos”, ele denunciou.

Vovk ingressou na Rússia em 23 de julho em um veículo Mini Cooper com chapa da República Popular de Donetsk (E982XH), acompanhada da filha de 12 anos, Sofia, e alugou um apartamento no mesmo prédio em que residia Daria, afirmou a FSB.

Após o atentado, imagens mostram que Vovk deixou a Rússia repentinamente, entrando na Estônia no domingo, no mesmo Mini Cooper, mas agora com chapa ucraniana (AH7771IP), e com cabelo com a cor alterada. O veículo foi visto duas horas após o atentado, já na rodovia ‘Baltiya’, a 121 quilômetros de Moscou. O FSB exibiu imagens anteriores do Mini Cooper circulando na capital russa com chapa do Cazaquistão (172AJDOS).

Dugin disse aos investigadores que ele e sua filha receberam recentemente muitas ameaças de extremistas ucranianos via redes sociais, mas não atribuíram nenhuma importância a elas. Os dois estavam na lista de sancionados de Washington.

A FSB também mostrou vídeos de câmera de vigilância do prédio onde Vovk alugou um apartamento e onde também morava a vítima, em que a ucraniana entrava e saía várias vezes ao dia.

Vídeos de uma câmera de vigilância no prédio também foram mostrados. O vídeo de 20 de agosto à 1h24 mostra que Vovk é magra, cabelos claros longos e lábios pintados de spray.

O festival tradicional de que os Dugins participaram tinha patrocínio oficial e havia sido amplamente noticiado. “As pessoas estacionaram seus carros à esquerda e à direita na rodovia. O estacionamento estava lotado. Não houve fiscalização à chegada ao estacionamento, pelo que os explosivos podiam ser instalados em qualquer lugar e por qualquer pessoa”, disse uma fonte à agência russa TASS.

Filha de 12 anos como despiste

Na avaliação do jornal Komsomolskaya Pravda, a presença na operação homicida da filha de 12 anos de alguma forma funcionou para desviar a atenção dos serviços russos de segurança, servindo de encobrimento para Vovk.

A FSB também concluiu que o dispositivo explosivo de 400 gramas de TNT, plantado sob a parte inferior do carro do lado do motorista, foi acionado por controle remoto. O que permite concluir que foi tomada a decisão de matar Daria, já que Vovk vira que o pai dela, Dugin, presumivelmente o alvo, pelo menos essa é a opinião de muitos analistas, e dono do Toyota, resolvera ir noutro carro com um amigo.

A Rússia anunciou que pedirá a extradição de Vovk, segundo a agência de notícias TASS. O embaixador da Rússia na ONU, Vasily Nebenzia, afirmou que irá levantar a questão do assassinato de Daria na reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, solicitada por Moscou em razão de não pararem os ataques ucranianos contra a maior central nuclear da Europa, Zaporozhia.

Vovk e sua filha estiveram no festival de literatura e música tradicional, em que os Dugins eram palestrantes. O site russo que expõe facínoras integrantes do regime de Kiev, o Nemizida, postara dados e foto de Vovk em 13 de abril deste ano, inclusive uma identidade com foto.

A primeira personalidade a denunciar que se tratou de um atentado cometido pelos “terroristas do regime ucraniano” foi o atual líder da República Popular do Donetsk, Denis Pushilin, cujo antecessor foi morto em explosão semelhante. “Que seja abençoada a memória de Daria, ela é uma garota russa de verdade!”, ele a homenageou via Telegram.

Porta-voz de Kiev jurou que o regime ucraniano “não tem nada a ver com isso” – assim como insiste em asseverar que são os russos que atiram contra os russos na central nuclear de Zaporozhia, não a artilharia ucraniana.

Dugin e mundo multipolar

Acostumada à convivência com nulidades como W. Bush, Trump e Biden – e com os tempos dos grandes Jefferson, Lincoln e Roosevelt já um distante passado -, a mídia de Matrix insiste em inventar gurus para os líderes que se recusam a tomar sua ‘pílula azul’.

Do desmanche da União Soviética ao renascimento russo sob Putin, foram muitas as contribuições daqueles que se recusaram a se prostrar diante do ‘mundo unipolar’ ianque e sua ditadura do dólar.

Alucinações dos think tanks da rua K à parte quanto ao papel de Dugin nesse processo, num momento difícil o pensador deu sua contribuição. Há quem não goste e prefira a sapiência do bebum Yeltsin.

Em uma entrevista de 2020, Dugin definiu o neoeurasianismo como uma síntese de ideologias de esquerda e direita cujos elementos são a luta por um mundo multipolar; a busca de uma alternativa ao liberalismo em escala global, o reconhecimento do valor de todas as culturas e de todos os povos, o antirracismo e o antichauvinismo; bem como a luta contra a hegemonia e a colonização.

A busca das raízes nacionais russas, após a rendição capitaneada por Gorbachev e Yeltsin, quaisquer que haja sido as limitações nesse percurso, é sinal de lucidez e de compromisso com a verdade.

E também acaba sendo um caminho para reencontrar os fundamentos da experiência soviética, com a URSS inspirando, impulsionando e apoiando a construção de sociedades mais igualitárias, mais tolerantes, mais plurais, mais democráticas, assim como a luta dos povos pela descolonização e eliminação final da herança escravagista e racista no planeta.

O crash dos EUA de 2008, a propósito, foi precedido, em 2007, pela conclamação de Putin a dar fim ao mundo unipolar, resgatar a soberania das nações e o direito internacional, e deter a marcha da insensatez da OTAN a leste.

O réquiem do mundo unipolar, da ‘ordem sob as regras’ de Washington soou em 24 de fevereiro com o basta à OTAN, que foi precedido pelas relações estratégicas Rússia-China e, agora, redirecionamento para o sul Global.

Condecoração póstuma

Nesta segunda-feira o presidente russo condecorou postumamente Daria com a Ordem da Coragem “pela coragem e abnegação demonstradas” no desempenho do dever profissional como correspondente da Tsargrad Mídia.

Antes, Putin dirigira uma mensagem de condolências e solidariedade aos pais de Daria: “por favor, aceitem sinceras condolências e palavras de apoio em conexão com a perda mais difícil e irreparável que aconteceu com vocês. Um crime vil e cruel interrompeu a vida de Daria Dugina, uma pessoa brilhante e talentosa com um verdadeiro coração russo – gentil, amoroso, simpático e aberto. Jornalista, cientista, filósofa, correspondente de guerra, serviu honestamente ao povo, à Pátria, provou com atos o que significa ser patriota da Rússia. A memória de Daria Dugina será para sempre preservada por parentes, amigos e companheiros. Força e coragem nesta hora triste.”

Sobre a filha assassinada, o pensador Dugin assinalou que ela “era uma garota linda, de fé ortodoxa, patriota, correspondente militar, especialista em canais centrais e filósofa. Seus discursos e reportagens sempre foram profundos, fundamentados e contidos. Ela nunca pediu violência e guerra. Era uma estrela em ascensão no início de sua jornada. Os inimigos da Rússia mesquinhamente, sub-repticiamente, a mataram”.

“Nós, nosso povo, não podemos ser quebrados nem mesmo por golpes tão insuportáveis”, acrescentou o enlutado pai. “Eles queriam esmagar nossa vontade com terror sangrento contra os melhores e mais vulneráveis de nós – mas não vão conseguir”, acrescentou.

“Nossos corações anseiam por mais do que apenas vingança ou retribuição, o que é muito mesquinho e não é o jeito russo. Só precisamos da nossa Vitória. Minha filha colocou sua vida em seu altar. Então vençam, por favor!”

Papiro