Após governo de arrocho, Macron acena agora com “crises graves” e mais “sacrifícios” (Reprodução)

Após embarcar de mala e cuia nas sanções contra a Rússia ordenadas por Washington, e tendo que conviver com alta dos combustíveis e alimentos e escassez de gás, o presidente Emmanuel Macron, possivelmente desejando testar a paciência do povo francês, anunciou o “fim da abundância” e chamou a população a fazer “sacrifícios”, na primeira reunião do seu conselho de ministro depois das férias de verão, excepcionalmente transmitida pela tevê.

Férias, aliás, marcadas, além da alta da inflação, por seca, ondas de calor e incêndios, e com a previsão de que o inverno também será duro, já que foram os próprios europeus que, para saciar a Casa Branca, resolveram descartar o gás e petróleo russo.

Segundo o ex-banqueiro e atual presidente francês, o mundo está diante de um “grande ponto de inflexão”, uma nova era, marcada pelas mudanças climáticas e pelos efeitos da ‘guerra da Rússia’ – leia-se, o basta de Moscou à anexação da Ucrânia pela OTAN. Dias antes, ele exortara a população a aceitar “pagar o preço da liberdade e dos valores”.

“Nosso sistema baseado na liberdade em que nos acostumamos a viver, às vezes, quando temos que defendê-lo, pode significar fazer sacrifícios”, insistiu o presidente em sua peroração. Ele acrescentou que o momento atual “parece estruturado por uma série de crises graves” e pelo que poderia ser “o fim da abundância” – seja a do “dinheiro sem custo”, ou a de “produtos tecnológicos”, matérias-primas ou água -, assim como “da obviedade” e da “imprudência”.

Ele exortou seus ministros a “dizer as coisas” com clareza e “sem catastrofismos”, pedindo-lhes que sejam “sérios” e não cedam à tentação da “demagogia” – isto é, atender às necessidades exigidas pela população que está sentindo as consequências de seguir ladeira abaixo para não amuar Biden.

Sem chegar a pedir que as pessoas tomem um banho mais curto e frio, como já fazem seus parceiros de Berlim, ou prometer frear a inflação, Macron insistiu em que os ministros não cedam à tentação de dizer “o que as pessoas querem ouvir”, optando em primeiro avaliar se isso será “eficaz” ou “útil”.

Vindas de ‘Júpiter’ – como o pavão é conhecido entre os franceses -, as orientações d, e Macron não passaram despercebidas pelas forças políticas e entidades populares.

“E os 10 milhões de pobres?”, cobra deputado comunista

O deputado comunista Fabien Roussel se escandalizou com a noção macronista de “fim da abundância e do descuido”: “Não, mas estamos sonhando! Como se os franceses tivessem se esgotado e se empanturrado demais. Dez milhões de franceses pobres por causa da imprudência do presidente Macron e da predação dos ricos”.

O secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, disse à BFM TV que a mensagem de Macron foi “deslocada”. “Quando falamos do fim da abundância, penso nos milhões de desempregados, nos milhões de precários”, acrescentou, destacando que “para muitos franceses, os tempos são difíceis, os sacrifícios já estão aí”.

“Irresponsabilidade”

“Não Monsieur Macron, nunca houve abundância, mas irresponsabilidade, pilhagem, desperdício, mercantilização de tudo e das coisas vivas”, rebateu o líder do partido França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon. Para a companheira de bancada, Mathilde Panot, o discurso de Macron ilustra que “a ilusão neoliberal está desmoronando”.

“O mundo deles não é mais um sonho. O capitalismo financeirizado é insegurança ecológica, racionamento, escassez. Outro mundo de liberdade, igualdade e fraternidade é possível: o nosso!”

Nem entre as forças mais à direita do espectro político, a farolagem macronista soou bem. O senador Alain Houpert, do Les Républicains, reagiu, observando que “depois de ter confiado o país a tecnocratas sem outro ideal que a contabilidade, em um discurso quase marcial, o presidente explica que é o fim de tudo, de um modelo francês modelo, da França que ele falhou, em sua missão, em preservar”.

O eurodeputado do Reconquête!, Gilbert Collard, não poupou a ironia: “Do seu grande palácio dourado, Macron explica calmamente aos franceses que é ‘o fim da abundância’: ele, por outro lado, não parece sofrer de falta de ‘insolência!’”

Para Nicolas Dupont-Aignan, deputado do Debout la France, a transmissão ao vivo e inédita do Conselho de Ministros é apenas “um reflexo do impasse macronista, um mau espetáculo narcisista”.

Já o eurodeputado macronista Pascal Canfin, provavelmente pondo em ação as doutas teses do presidente, anunciou ser a favor de uma forma de “polícia da sobriedade energética”.

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