Cristina Kirchner responde a acusações do balcão do Senado da Argentina (Los Andes)

A vice-presidente argentina, Crisitna Kirchner, respondeu aos que a acusam em pronunciamento direto de seu gabinete no Senado, exercendo, como registrou a respeitada jornalista Stella Calloni, seu direito de legítima defesa na terça-feira (24).

Um direito, como destaca Calloni, que lhe fora negado após dois promotores pedirem 12 anos de prisão mais sua inelegibilidade perpétua, no chamado ‘caso das licitações de obras públicas na província de Santa Cruz’.

Milhares de manifestantes solidários se aglomeraram diante do Congresso argentino para ouvir esse discurso – muitos deles jovens que gritavam “se tocarem em Cristina que quilombo vai ser”. Muitos deles vindos da vigília junto à casa da vice-presidente.

“São 12 anos (o pedido de prisão), os 12 anos do melhor governo que a Argentina teve nas últimas décadas, por isso pedem 12 anos; é por isso que eles vão me estigmatizar e condenar”, reiterou a atual vice de Alberto Fernández e ex-presidente argentina por dois mandatos e viúva do ex-presidente Nestor Kirchner.

A perseguição a Cristina foi repudiada pelo presidente argentino Alberto Fernandez, em declaração também assinada pelos presidentes López Obrador (México), Gustavo Petro (Colômbia) e Luis Arce (Bolívia), logo em seguida apoiada pela presidente Xiomara Castro (Honduras) e seu marido e ex-presidente Manuel Zelaya.

Na carta, os líderes da região expressaram sua “absoluta rejeição” à “injustificável perseguição judicial” a Cristina e advertiram que isso visa retirá-la “da vida pública, política e eleitoral, bem como enterrar os valores dos ideais que ela representa, com o objetivo final de implementar um modelo neoliberal”. Coincidentemente, as eleições na Argentina serão no próximo ano.

A peça acusatória da promotoria atribui aos governos antineoliberais e em especial a Cristina o suposto favorecimento em licitações públicas na província de Santa Cruz, berço político, do empresário Lázaro Báez e de ter fraudado o Estado em cerca de um bilhão de dólares.

“Por que eles nos pedem 12 anos, eu digo isso com números. Um pela memória [dos perseguidos pela ditadura argentina], outro pela verdade, outro pela justiça, outro pelo FMI, outro pela AFJP [aposentadorias], outro pela YFP [renacionalizada] e Vaca Muerta [enorme campo de gás descoberto], outro pelo não endividamento, outro pelas obras públicas, sim, pelas obras públicas, outro pelos salários dos trabalhadores”, afirmou Cristina.

“Quando saí, os trabalhadores ficavam com 51,8% do PIB e o resto com os empresários. Agora, não precisa mencionar como estamos”, enfatizou Cristina. E concluiu: “se eu nascesse 20 vezes mais, 20 vezes eu faria de novo”.

Em suma, é disso que se trata: um ano de prisão por cada ano de governo antineoliberal! Atendendo à multidão, Cristina cantou a marcha peronista com eles, da sacada de seu gabinete.

Ao que se seguiram mais cânticos e brados de apoio a Cristina e à Frente de Todos, que estão tendo de reconstruir o país depois da devastação macrista – que levou o país ao FMI, se acertou com os fundos abutres norte-americanos, endividou e hipotecou o futuro da Argentina e empobreceu e desempregou em massa os argentinos.

Também o Partido Peronista (Justicialista, como oficialmente é nomeado) saiu em defesa de Cristina: “A perseguição daqueles que defendem os interesses do povo não é novidade na história de nosso país. Precisamos de uma justiça honesta e independente dos poderes de fato”.

“Nada, absolutamente nada do que [os promotores] disseram foi provado”, afirmou Cristina, da sacada do Senado à multidão. Ela denunciou que enquanto em outros países o lawfare foi usado para “estigmatizar, confundir governos

populares com associações ilícitas”, na Argentina está sendo usado para “proteger aqueles que realmente roubam o país”, em referência aos quatro anos de neoliberalismo alucinado de Macri e desinteressada genuflexão ao FMI e aos fundos abutres.

“O julgamento começa com a ficção que eles relataram, durante cinco dias. Não eram acusações; era um roteiro, e muito ruim, por sinal”, assinalou Cristina.

Como registrou Stella Calloni, correspondente do jornal mexicano La Jornada, a acusação feita pelos promotores não apresenta vínculos entre os empresários e Cristina, alegando, porém, que não haveria como ela ‘não saber’, e de que não seria propriamente um governo, mas uma “associação ilícita” para delinqüir contra a Argentina.

A vice-presidente acusou os dois promotores de sequer terem lido as provas que apresentou, 9 mil páginas. Ficará demonstrado, acrescentou, que “além de mentirosos, os procuradores não trabalharam”.

A vice-presidente também questionou porque os promotores se recusaram a examinar a avolumada troca de mensagens entre o secretário de obras José López e um empresário da construção civil de quem Macri disse ser “um amigo da vida toda”, Nicolas ‘Nicky’ Caputo.

López é aquela triste figura que, após deixar o peronismo, foi flagrado enterrando malas com dólares em um convento, vídeo que rodou mundo. Cristina tem denunciado que a justiça não se mobilizou para investigar a origem dos dólares levados para o convento.

Outra incongruência é que apenas cinco das 51 alegações – como registrou o Página 12 – foram avaliadas. “É difícil imaginar como chegar aos 5,4 bilhões de pesos com base no suposto superfaturamento de apenas cinco licitações”, aponta, citando Raúl Kollman.

A senadora pela província de Buenos Aires, Juliana Di Toldo , confirmou que está sendo organizada “uma grande marcha ” em apoio a Cristina. As bases peronistas já estão nas ruas e nas redes sociais. O movimento La Cámpora divulgou um vídeo de três minutos, que mostra imagens das marchas de apoio à vice-presidente na porta do Senado e em frente à sua casa.

“Se eu nascesse vinte vezes, vinte vezes faria o mesmo”, as palavras da ex-presidente são ouvidas no início e no final do vídeo em seu discurso de terça-feira. Trechos de sua fala, flashes do promotor pedindo doze anos de prisão e comentários de jornalistas sem mesclam com vozes de apoio nas ruas.

“20 vezes escolheríamos você de novo”, intitulou La Cámpora intitulou a postagem nas redes, e com a hashtag #TodosConCristina.

JUSTIÇA, EXIGE CRISTINA

A repercussão da acusação contra Cristina continua ecoando na Argentina e internacionalmente. Um ex-juiz da Suprema Corte chegou a propor que ela seja indultada ou anistiada por Alberto Fernández, mas pelo Twitter ela se manifestou dizendo que “nem indulto, nem anistia: justiça”.

Uma das frases mais fortes de Cristina aos manifestantes no Senado foi que “eles não estão vindo atrás de mim, estão vindo atrás de você”, como observou Stella Calloni.

“O que você vai me dizer? Que eles vão me absolver? Eles querem se vingar. De que? O procurador pede 12 anos porque são 12 anos do melhor governo que a Argentina teve”, insistiu Cristina. O final do discurso foi “repleto de paixão militante, que fez chorar aqueles que a esperavam na rua, alguns da noite anterior, e que se deslocaram para o Senado nas primeiras horas da manhã”.

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