Falta de transparência e corrupção estão entre as marcas do governo Bolsonaro
Embora o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenha sido eleito com um discurso anticorrupção e continue tentando manter esse verniz, seus quase quatro anos de gestão mostram que a questão é muito mais retórica do que prática. Talvez por isso, como forma de tentar provar que tem compromisso com a lisura e com a transparência, o candidato à reeleição dedicou especial atenção ao tema em seu programa de governo. Ao longo de 48 páginas, o termo “transparência” aparece 23 vezes e “corrupção”, 15. Porém, os fatos mostram que o Brasil retrocedeu nessas áreas sob a administração bolsonarista
No que diz respeito a esses dois aspectos, o discurso e a prática colidem frontalmente. Em seu plano de governo, Bolsonaro diz que a transparência “deve ser estimulada ao máximo em um governo que já se mostrou ético e continuará nessa direção como algo inegociável, que combate a corrupção e não tem medo de mostrar seus atos, todos baseados nos marcos regulatórios”.
Mas, não é bem assim. Para ficar em apenas alguns dos muitos casos ocorridos somente no âmbito governamental — sem contar outros envolvendo a família Bolsonaro —, conforme mostrou a agência de checagem Aos Fatos, tão logo tomou posse, Bolsonaro editou decreto que alterou a Lei de Acesso à Informação (LAI), a fim de ampliar a lista de autoridades que poderiam classificar informações como secretas e ultrassecretas. Mais tarde, pressionado, o Congresso revogou a medida. Também ficaram escondidos cerca de 98% dos gastos feitos via cartão corporativo.
Além disso, informações como a carteira de vacinação do mandatário e resultados de testes para detectar o coronavírus entraram para o rol de documentos protegidos por sigilo. Da mesma forma, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que conduziu de maneira desastrosa o combate à pandemia, também foi beneficiado: processo que apurava sua conduta ao participar de ato político ao lado do presidente, em maio de 2021, também entrou para a lista dos sigilos de até 100 anos. O segredo também se estendeu, por exemplo, à “lista suja” do trabalho escravo.
Casos de corrupção
No quesito “corrupção”, o governo Bolsonaro também está longe da imagem que tenta vender. Um dos mais recentes escândalos envolveu a descoberta de uma espécie de “gabinete paralelo” no Ministério da Educação. Investigação da Polícia Federal apura indícios de pagamento de propina e a atuação pastores na liberação de verbas para municípios, o que levou à prisão e demissão do responsável pela pasta, o pastor Milton Ribeiro.
Lembrando que em 2021, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi apontado como participante de um grupo de exportação ilegal de madeira e no mesmo ano, em meio à grave crise da Covid-19, o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, foi acusado de pedir um dólar de propina por cada dose comprada de vacina.
E para um político que se dizia “anti-sistema”, a ida de Bolsonaro para o PL e sua aliança com o Centrão são fatos que também esvaziam a retórica anticorrupção. Exemplos de desvios e mau uso do dinheiro público envolvendo o atual governo e políticos desse bloco não faltam. Reportagem recente de O Globo mostrou que em 2021 o Fundo Nacional de Saúde (FNS) entregou boa parte dos R$ 7,4 bilhões em emendas — parte vinda do orçamento secreto — a redutos eleitorais de figuras do Centrão.
“Arthur Lira indicou R$ 149 milhões em emendas do relator através do fundo. Já a mãe de Ciro Nogueira, a senadora Eliane Nogueira, do PP, foi responsável por indicar R$ 174 milhões do orçamento secreto. Desse montante, R$ 80 milhões foram destinados para cidades do Piauí comandadas por aliados de Ciro e Bolsonaro”, escreveu João Filho, do The Intercept Brasil, sobre o caso.
Vale lembrar também denúncia feita por O Estado de S.Paulo sobre a compra superfaturada de caminhões de lixo e sua entrega a pequenos municípios, independentemente de suas necessidades, usando também as emendas de relator.
As emendas de relator — ou “orçamento secreto” —, aliás, são um capítulo à parte na gestão Bolsonaro. Por não terem um mecanismo de controle e monitoramento quanto ao seu pagamento e destino, essas emendas são usadas para que o governo possa “passar a boiada” em tudo que lhe interessa no Congresso e para que sejam viabilizados esquemas para lá de suspeitos — como estes já relatados acima. Somam-se à lista, por exemplo, o caso da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e o superfaturamento nos valores de ônibus escolares em licitação que acabou sendo suspensa.
Mesmo nesse cenário, no debate realizado domingo (28), Bolsonaro tentou jogar o problema da corrupção sobre a gestão do ex-presidente Lula e na entrevista ao Jornal Nacional no dia 22 declarou que “estamos num governo sem corrupção”. Mas, ao que parece, apesar de seu esforço em mostrar o contrário, a população não está totalmente convencida: recente pesquisa Datafolha apontou que para 73% dos brasileiros, há corrupção no governo Bolsonaro.