Segundo Biden, Al Zawahiri foi executado por míssil norte-americano quando na varanda de sua casa | Foto: (AFP)

O presidente Joe Biden foi todo faceiro à tevê dos EUA anunciar na segunda-feira (1º) que teria executado com míssil, supostamente na “varanda de casa” em Cabul, o líder da Al Qaeda, Ayman al Zawahiri.

O que foi prontamente apontado por diversos observadores como uma espécie de ‘comício pré-eleitoral com míssil’, para compensar as más notícias da recessão, dois trimestres consecutivos no vermelho, informada pelo Bureau de Análises Econômicas norte-americano três dias antes, e que se somam ao preço abusivo da gasolina nos postos e ao desmanche de sua avaliação nas pesquisas, a três meses das eleições intermediárias de novembro que decidirão o controle do Congresso e a sorte do governo Biden.

A cena é um repeteco, piorado, da execução extrajudicial, no governo Obama, como parte de suas “terças-feiras da morte” – o título é do New York Times na época – do antecessor de al Zawahiri, Osama Bin Laden, embora com bem menos glamour.

“A justiça foi feita”, tentou encenar Biden, sobre quem não cessam de se projetar as sombras do fiasco na hora de bater em retirada do Afeganistão: as cenas da fuga da embaixada, revoada de helicópteros e, depois, caos no aeroporto de Cabul e execução de afegãos em suas residências.

Supostamente, segundo fontes norte-americanas, o míssil, ao invés de simplesmente explodir, projetava seis lâminas e teria estraçalhado o alvo. Foram disparados dois mísseis.

Na terça-feira (3) um porta-voz do Talibã afegão condenou ataque militar dos EUA a uma casa em Cabul, no qual os EUA alegam que al Zawahiri foi morto. Especialistas chineses citados pelo Global Times classificaram a assim chamada ‘ação antiterrorista’ como “uma violação da soberania territorial do Afeganistão”, acrescentando poder ser “uma estratégia para ganhar pontos políticos nas próximas eleições de meio de mandato”.

Violação do acordo de Doha

O porta-voz afegão Zabihullah Mujahid confirmou em comunicado que o ataque aéreo a uma casa na área de Shirpur, em Cabul, foi realizado por drones dos EUA e o chamou de “uma clara violação dos princípios internacionais e do Acordo de Doha”, que Washington assinou com o Talibã em 2020 de retirada das forças dos EUA.

Segundo a declaração da Casa Branca, nenhum dos membros da família de al Zawahiri teria ficado ferido e não houve vítimas civis. No registro da Associated Press, este estava “na varanda de sua casa no domingo quando dois mísseis Hellfire foram lançados de um drone não tripulado matando-o”.

Quanto à autenticidade de tais alegações, assinala o GT, não faltam questionamentos. Li Wei, especialista em segurança nacional do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China, disse que o ataque de drones em uma área densamente povoada pode ter causado danos a prédios vizinhos ou até mesmo vítimas entre os moradores locais, considerando o grande impacto dos mísseis Hellfire.

Em outros dois aspectos, a ação não passa de uma violação do direito internacional, já que foi uma execução extrajudicial sem julgamento, e uma violação da integridade territorial do Afeganistão.

A declaração do Talibã diz que o Afeganistão “condena veementemente este ataque por qualquer causa”. Os EUA mais uma vez pisotearam abertamente a soberania territorial afegã após a retirada de suas tropas em 2021, o que provou que o país “nunca realmente mudou” apesar de seu compromisso.

“Quaisquer atividades militares e ataques dentro do território de um país sem primeiro informar seu governo constituirão uma violação da soberania e integridade territorial do país, não importa qual seja a legitimidade”, disse Li ao Global Times na terça-feira.

“A guerra de duas décadas liderada pelos EUA no Afeganistão é uma das principais razões pelas quais o país ainda é vulnerável ao terrorismo. O caos político e a depressão econômica no Afeganistão fizeram com que todo o país e até a região ficassem fora de controle por um longo período e levou o Afeganistão a se tornar um reduto de muitas organizações terroristas”, disse sob anonimato um especialista em assuntos internacionais de Pequim.

Pilhagem de us$ 7 bi das reservas afegãs

Os EUA têm conduzido historicamente operações de suposto antiterrorismo como uma ferramenta política para servir a seus interesses políticos internos, disse Li, acrescentando que as soluções para erradicar o terrorismo passam pela abordagem de questões domésticas afegãs – como questões econômicas e meios de subsistência das pessoas – pelas quais os EUA têm inegável responsabilidade, pelos 20 anos de ocupação e, agora, por ter ilegalmente congelado US$ 7 bilhões em ativos do BC afegão, num quadro em que o país está ameaçado pela fome.

A comunidade internacional instou os EUA a descongelar e devolver integralmente o dinheiro que pertence ao povo afegão para ajudar a superar a crise humanitária no país, especialmente após um grande terremoto em junho, mas Washington segue ignorando tais apelos.

“Macabro”, o míssil

A bajulação aprobatória com que certos órgãos de mídia noticiaram o atentado ordenado por Biden chama a atenção, em que salientaram o primor tecnológico do míssil Hellfire R9X, também conhecido, eles acrescentam, como “macabro” e “bomba ninja”. Mas bem poderia ser “Chico Picadinho”.

O projétil, esclarecem os aduladores, não contém ogiva, mas projeta seis lâminas em sua ponta que giram em alta velocidade, “o que pode dilacerar o alvo”. O míssil, de 1,6 m de comprimento e peso de 45 quilos, teria alcance de até 5 quilômetros. Segundo o Wall Street Journal, seria uma encomenda de Obama supostamente devido à preocupação dele com a “morte de civis”.

Ainda por outro ângulo, o enfoque dos EUA sobre a Al Qaeda muda como a forma das nuvens. Afinal, a Al Qaeda foi formada e financiada pela CIA, em conjunto com a inteligência saudita e paquistanesa, para combater uma revolução popular no Afeganistão apoiada pela URSS nos anos 1980. Depois os mujahedins saíram de controle e houve o 11 de Setembro – questão sobre a qual até hoje muitos norte-americanos duvidam que sejam verdadeiras as conclusões do inquérito oficial. Ainda assim, tal diferendo não impediu a CIA e a Al Qaeda de agirem juntas contra o governo legítimo da Síria, cerca de dez anos depois, bastando apenas a adoção de novos nomes de fantasia, como ‘Al Nusra’.

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