China apresenta seu poder de dissuasão em exercícios no Estreito de Taiwan (Sputnik)

A China está realizando, de quinta-feira (4) a domingo (7), o que o jornal Global Times chamou de “ensaio para a reunificação” de Taiwan – em reação à provocação da presença da presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, e consequente violação do princípio de ‘Uma Só China’ -, com o Exército de Libertação Popular (ELP) realizando exercícios em seis áreas – no norte, nordeste, leste, sul, sudoeste e noroeste – ao redor da ilha, com inclusive tiro real, lançamento de mísseis e treinamento de ataque marítimo e combate aéreo e terrestre. O ensaio inclui uso de armas avançadas, como os caças furtivos J-20 e mísseis hipersônicos DF-17 (apelidado de ‘matador de porta-aviões’).

“A implementação da reunificação nacional plena é uma tendência geral e uma inevitabilidade histórica”, afirmou o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, que observou ainda que não importa como os Estados Unidos açulem os secessionistas, tais esforços serão em vão. A exposição do rosto de bullying dos EUA “mostra-o novamente como o maior sabotador da paz do mundo”, acrescentou.

Como Pequim afirmou em comunicado, a “questão de Taiwan é a questão central mais importante e sensível nas relações entre a China e os EUA. O Estreito de Taiwan está enfrentando uma nova rodada de tensões e desafios severos, e a razão fundamental reside na alteração repetida do status quo pelas autoridades de Taiwan e pelos EUA. As autoridades de Taiwan que se deixam seduzir por uma suposta ‘independência’, contando com o apoio dos EUA, se recusam a reconhecer o Consenso de 1992, praticam a desiniciação e promovem ‘a independência gradual’. Os Estados Unidos mantêm a intenção de usar Taiwan para conter a China, distorcem, obscurecem e esvaziam o princípio de Uma Só China, intensificam os intercâmbios oficiais com Taiwan e respaldam as atividades secessionistas da ‘independência de Taiwan’. Tudo isto são atos muito perigosos como se brincasse com o fogo, e quem brinca com o fogo acaba se queimando”.

Exercícios sem precedentes

São exercícios sem precedentes, assinala o GT, pois os mísseis convencionais do ELP deverão sobrevoar a ilha de Taiwan pela primeira vez, a chamada linha mediana [no estreito] deixará de existir e as forças chinesas não se deterão no limite de 12 milhas náuticas da ilha. Ao cercar totalmente Taiwan, o ELP mostra capacidade de cerco à ilha, demonstrando o controle absoluto da China sobre a questão de Taiwan. Esses exercícios em torno de Taiwan e ensaios de combate podem tornar-se rotina, afirmaram analistas.

O especialista militar Zhang Xuefeng assinalou ao GT que cinco das seis áreas de exercício estão a leste da linha mediana do Estreito de Taiwan, o que significa que a China passou a ignorá-la. Algumas dessas zonas de tiro pela primeira vez incluem áreas dentro das 12 milhas náuticas da ilha de Taiwan. Como Taiwan faz parte da China, o chamado mar territorial de Taiwan é também mar territorial da China, acrescentou.

Analistas disseram ao GT que os exercícios do ELP em torno de Taiwan pretendem mostrar que este é capaz isolar toda a ilha e resolver a questão de Taiwan de maneira não-pacífica, se a situação se degenerar de forma irrecuperável.

Da área designada para exercícios militares do ELP, as operações podem representar uma ameaça para os principais portos e rotas marítimas em Taiwan, formando uma barreira completa, disse Herman Shuai, um tenente-general aposentado de Taiwan, ao GT na quarta-feira.

Duas áreas de exercício do norte designadas pelo ELP estão localizadas na costa do porto de Keelung e do porto de Taipei, a área de exercício central está localizada fora do porto de Taichung, a área de exercício do sul está localizada fora do porto de Kaohsiung e a leste está localizada fora do porto de Hualien. As áreas de exercício são um “modelo” para “bloquear Taiwan”, disse Shuai. “Se os exercícios do ELP levarem muito tempo, constituirão uma barreira substancial a Taiwan”.

Analistas comparam a atual crise no Estreito de Taiwan com a precedente, de 1996, apontando o enorme desenvolvimento na defesa alcançado pela China nesse período. “Em 1996, não tínhamos porta-aviões, o grande destróier Type 055, nem mísseis hipersônicos… Desde então, nossa capacidade de atacar, capturar e matar melhorou muito e nossas opções militares e confiança aumentaram”, disse o especialista militar Song Zhongping, que considerou os exercícios desta semana “direcionados e abrangentes”.

Para o GT não interceptar o voo de Pelosi significou uma escolha consciente de Pequim para evitar um incidente que poderia desencadear uma Terceira Guerra Mundial, ao invés disso, optando por fazer da provocação uma oportunidade de impulsionar o progresso da reunificação.

Quanto a se madame Pelosi fez a provocação por moto próprio, ou não, o indiscutível é que sua ida a Taiwan foi precedida, como registrou a RT, por um longo padrão de provocações de Washington. “Isso inclui: comentários recentes de Biden de que os EUA ‘defenderiam’ Taiwan, o incentivo dos EUA à Lituânia para abrir um ‘escritório de representação de Taiwan’, a eliminação de referências à Política de Uma China do site do Departamento de Estado e, claro, a própria oferta de Taipei de convidar o maior número possível de políticos ocidentais para a ilha, inclusive pagando-lhes quantias espúrias de dinheiro, em uma tentativa de se opor à China e minar uma possível reunificação”.

‘Uma Só China’

Sob o princípio de “Uma Só China”, a China mantém relações diplomáticas com 181 países. A seguir à provocação de madame Pelosi, muitos países da comunidade internacional, incluindo Rússia, Coreia do Norte, Irã e Paquistão, reafirmaram sua adesão ao princípio na quarta-feira (3), assim como a ONU.

Comunicado da Rússia considerou a visita de Pelosi a Taiwan uma provocação flagrante, o que está de acordo com a política agressiva dos EUA de conter a China de forma abrangente. As relações através do Estreito de Taiwan são puramente assuntos internos da China e a China tem o direito de tomar as medidas necessárias sobre a questão de Taiwan para salvaguardar a soberania nacional e a integridade territorial, acrescentou Moscou.

O Paquistão reafirmou seu forte compromisso com o princípio de Uma Só China e apoio à soberania e integridade territorial da China, de acordo com comunicado de Karachi. Por sua vez, a Coreia Popular (socialista) repudiou a interferência externa na questão de Taiwan. A Liga Árabe, Cuba, Vietnã, Irã, Venezuela, Laos e muitos outros países também reiteraram a adesão ao princípio de Uma Só China.

Stéphane Dujarric, porta-voz do Secretário-Geral da ONU, disse na coletiva de imprensa diária na terça-feira que a ONU é guiada pela resolução relevante da Assembléia da ONU de “uma China”, a 2758.

Desde que a resolução entrou em vigor em 1971, quase nenhum país a contestou abertamente, mas nos últimos anos os EUA estão tentando corroer e borrar o conceito do princípio de uma só China e continuam a provocar a questão de Taiwan, registrou o GT.

A Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU restaurou “os direitos legítimos da República Popular da China”, apontando que isso era “essencial tanto para a proteção da Carta das Nações Unidas quanto para a causa que as Nações Unidas devem servir sob a Carta.” (na época, era o regime de Taipei que ocupava o lugar de representante do povo chinês na Assembleia e no Conselho de Segurança da ONU, apesar da vitória da revolução chinesa em 1949 e fuga para Taiwan do ditador Chiang Kai-shek e seu Kuomintang.

A Assembleia Geral da ONU “reconhece que os representantes do Governo da República Popular da China são os únicos representantes legais da China nas Nações Unidas e que a República Popular da China é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança”, diz a resolução 2758.

Situação que os Estados Unidos reconheceram em 1979, quando estabeleceram relações com a República Popular da China e romperam oficialmente relações com a ‘República da China’, isto é, Taiwan, passando a ter com a ilha apenas relações comerciais e de baixo nível, como estabelecido pelo acordo com Pequim, depois de sete anos de reaproximação, iniciada por Richard Nixon quando a derrota no Vietnã era iminente.

Bumerangue no estreito

Como assinalou a porta-voz da chancelaria chinesa, Hua Chunying, condenando a provocação, “eles colherão o que plantaram. Contramedidas relevantes serão fortes e eficazes, os EUA e os secessionistas em Taiwan sentirão o impacto”.

“Toda vez que os EUA provocam a China, o resultado é uma vergonha para eles mesmos”, disse Hua durante a coletiva de imprensa. O exemplo mais recente foi Pelosi instigando os distúrbios de preto em Hong Kong e divulgando a chamada “bela vista”, o que apenas acelerou a transição posterior da cidade do caos para a estabilidade, observou ela.

Para Franz Gayl, oficial marine da reserva, ouvido pelo GT, a visita de Pelosi a Taiwan está abrindo salva de uma guerra com a China que os EUA perderão. “Os membros do público americano entendem os horrores que seu governo está prestes a infligir a seus filhos e filhas quando são enviados para combater uma intervenção totalmente inadequada que os EUA perderão?”, ele questionou.

“O status quo finalmente mudou. Qualquer ilusão de que os EUA estão ou estiveram comprometidos com a política de uma só China evaporou-se”, acrescentou.

“A chegada da presidente da Câmara dos Representantes, e segunda na fila para servir como Chefe do Executivo na ausência do Presidente em exercício, do ponto de vista da República Popular da China, significa que os Três Comunicados que estabeleceram as condições para as relações diplomáticas EUA-RPC são vistos pelos EUA como pedaços de papel sem valor”, sublinhou Gayl.

Como conclusão, o GT observa que enquanto os EUA estão jogando a carta de Taiwan para criar cenários de crise no Estreito, a China, com sua determinação e paciência estratégica, está constantemente transformando tais cenários em oportunidades para acelerar a reunificação. Essa consideração estratégica racional de longo prazo também a ajudou a enfrentar crises anteriores, como as disputas pelas Ilhas Diaoyu, o Mar da China Meridional e os distúrbios em Hong Kong em 2019.

Quando a guerra comercial entre a China e os EUA começou em 2018, muitas pessoas achavam que a China não tinha contramedidas suficientes e, portanto, os EUA certamente venceriam. “No entanto, depois de algum tempo, as pessoas perceberam que não era o caso. Os próprios EUA chegaram à conclusão de que mais de 90% do custo da guerra comercial é arcado pela classe média americana”.