Boletim do BC aponta para juros ainda mais elevados
No Relatório de Mercado “Focus” do Banco Central (BC), divulgado nesta segunda-feira (22), os economistas do mercado financeiro apontaram a manutenção da alta da taxa básica de juros (Selic). Na mediana das projeções, em que foram ouvidas mais de 100 instituições financeiras na semana passada, o ponto-médio ficou em 13,75% para o fim deste ano.
No início deste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a Selic pela 12ª vez seguida, em 0,5 ponto percentual, para 13,75% ao ano. Nesta reunião, o colegiado sinalizou que deve elevar novamente a Selic.
Com a Selic neste patamar, os juros reais, isto é descontada a inflação, atingiram 8,52% ao ano. O Brasil é o líder no ranking mundial de juros reais, tendo mais que o dobro da taxa do 2º colocado, México (4,20%), segundo dados do MoneYou e da Infinity Asset Management.
A elevação dos juros não teve impacto sobre a inflação, que vem de causas que não têm a ver com o aumento da demanda. “A inflação é um problema de choque de oferta persistente, mas não permanente, que é a minha análise. Ou seja, você tem inflação de alimentos e de energia subindo, por conta de uma série de eventos que persistem no tempo, como: a guerra da Rússia e da Ucrânia, como os efeitos ainda da Covid-19 sobre a cadeia mundial de suplementos”, explica o economista José Luis Oreiro ao HP.
Por outro lado, o choque dos juros altos agrava a crise econômica do país ao afastar os investimentos, eleva o endividamento, encarece ainda mais o crédito aos consumidores e, por consequência, derruba o consumo – afetando diretamente os empregos e a renda.
“Estamos vivendo uma situação absolutamente esquizofrênica, do ponto de vista da economia. Porque a economia vai mal, o desemprego é muito elevado, as empresas estão quebrando, as famílias estão endividadas e muita gente passa fome. E, o Banco Central, o governo está elevando a taxa de juros, o que vai agravar estas situações”, adverte o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda.
A média dos juros fixos no crédito imobiliário acompanha a escalada da Selic e está hoje acima dos dois dígitos, em torno de 10%. Por conta disso, o volume de devolução de imóveis subiu 16% de janeiro a maio deste ano, em comparação com o registrado no mesmo período do ano passado, de acordo com Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), com base em dados do sistema Indicadores Abrainc/Fipe.
Segundo especialistas do setor, o distrato de contrato só não é maior porque o mercado está mais flexível à renegociação, em busca de evitar maiores danos. “Haveria muita inadimplência. Isso poderia causar uma bancarrota no mercado”, disse o professor de Negócios Imobiliários da FGV e diretor de Negócios da Arqos Incorporadora, Paulo
Pôrto. Segundo ele, sem esse freio, as taxas de juros dos bancos chegariam a 15% com o atual patamar da Selic.
Puxada pelas dívidas com o setor financeiro, o endividamento das famílias bateu recorde em julho. Neste mês, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer atingiu 78% dos lares no país, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Do total de endividados no país, 85,4% possuem dívidas no cartão de crédito.
O cartão de crédito se tornou uma válvula de escape para os gastos com alimentação e demais itens do dia a dia, pois o salário dos trabalhadores não completa o mês por conta da inflação e da não reposição dos salários – a última vez que o salário mínimo teve aumento real foi em 2019.
Uma sondagem feita pela Boa Vista também aponta que no primeiro semestre deste ano, 18% dos inadimplentes deixaram de quitar despesas com alimentação e, por conta disso, passaram para o rol dos CPFs (Cadastro de Pessoa Física) com restrição. “Temos falado com instituições financeiras que relatam que o pessoal está pegando dinheiro (crédito) para pagar contas do mercado, do dia a dia”, relata o economista da Boa Vista, Flávio Calife.
Nos últimos 12 meses até julho, a alimentação do domicílio acumula alta de 17,50%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice de inflação oficial do país, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado supera a variação do indicador geral como um todo no período, que foi de 10,07%.
Por efeito dos sucessivos aumentos na Selic, a transferência de renda da sociedade para o setor financeiro pela política do governo Bolsonaro, por meio dos juros da dívida pública, chegou à soma de R$ 500,5 bilhões no acumulado dos últimos 12 meses encerrados em maio, de acordo com informações do BC. Esse é o maior patamar desde fevereiro de 2016, época que atingiu R$ 513 bilhões.
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