Ao mudar ICMS e vetar compensação, Bolsonaro retira bilhões da saúde e da educação
A busca desesperada de Jair Bolsonaro (PL) para garantir sua reeleição a qualquer preço está impondo um alto custo aos estados e, por consequência, atinge diretamente a vida da população que depende dos serviços públicos. Com a redução no limite do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), usada para baixar os preços dos combustíveis e da energia, entre outras áreas, cerca de R$ 18 bilhões deixarão de ser destinados para a saúde e a educação apenas entre os meses de julho e dezembro deste ano.
O valor da perda para essas duas áreas estratégicas foi levantado pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz). Os dados levam em consideração o fato de que, conforme estabelece a Constituição, estados e municípios devem destinar 25% das suas receitas tributárias para a educação; no caso da saúde, os estados precisam garantir 12% e os municípios 15%. Em um ano, a projeção é de que a perda geral de receita poderá ser de R$ 83,5 bilhões.
Ao sancionar a Lei Complementar 194/2022 — que limita a cobrança do ICMS sobre produtos e serviços essenciais à alíquota mínima de cada estado, que varia entre 17% e 18%, reduzindo o valor dos combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo — Bolsonaro resolveu vetar o artigo que propunha uma compensação para os estados.
Ou seja, os entes federativos fizeram um planejamento orçamentário contando com os valores arrecadados pelo imposto e, de uma hora para outra, perderam os recursos e também ficaram sem a compensação. O Comsefaz estima que somente nos primeiros dias de agosto, a queda nas receitas ficou em torno de 10%.
Para tentar amortecer o peso dessas perdas, os governadores estão tentando articular, junto ao Congresso Nacional, a derrubada do veto de Bolsonaro. Além disso, está sendo pleiteada a aprovação de autorização legislativa para que possam ser usados recursos disponíveis nos caixas das secretarias dos estados e dos municípios, da ordem de R$ 2 bilhões, fruto do orçamento de guerra e do repasse para o combate à Covid. A ideia é que o seu remanejamento e aplicação possa ser feito até 31 de dezembro de 2023.
Além disso, os estados têm buscado saídas junto ao Superior Tribunal Federal (STF). Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Acre tivessem as perdas com o teto do ICMS compensadas na dívida com a União já a partir de agosto, após decisão do ministro Gilmar Mendes. Em julho, São Paulo, Piauí, Alagoas e Maranhão haviam conseguido medida cautelar no mesmo sentido.
Prejuízos acumulados
Os prejuízos trazidos pelos novos limites do ICMS se somam a uma série de outros que já vêm sendo acumulados pelo serviço público, em especial nas áreas da saúde e da educação. Além da emenda constitucional do teto de gastos que, somente para este ano, impôs perdas de cerca de R$ 25 bilhões, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) aponta ainda as dificuldades resultantes da redução do orçamento da saúde em R$ 40 bilhões em 2022 em comparação com 2021 — que resultou numa redução de 60% dos leitos de UTIs — e a persistência da pandemia de Covid-19.
No caso da educação, a situação também é dramática. Cálculo feito pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) ainda antes da aprovação do projeto do ICMS estimava em R$ 21 bilhões as perdas para a área. No Fundeb, o potencial de perda é de R$ 17 bilhões. A entidade classificou a medida como “eleitoreira” e “irresponsável”. Soma-se a isso os impactos decorrentes de desvios e corrupção na pasta da Educação.
Na avaliação do farmacêutico Ronald Ferreira dos Santos, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e coordenador da Comissão Nacional de Saúde do PCdoB, o projeto que estipulou o novo percentual para o ICMS “é mais um estelionato eleitoral. Ele (Bolsonaro) não mede consequências, não tem responsabilidade nenhuma com a educação, com a saúde, com a vida do povo. Porque o veto foi justamente na compensação para os municípios e estados com a redução do ICMS”. Com isso, diz, o presidente “ameaça o futuro da educação brasileira e a vida de milhares de brasileiros”.
Para o coordenador geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Gilson Reis, a lei aprovada é “inconstitucional porque altera o ICMS dos estados de forma violenta. As perdas estimadas nesse caso ficam em torno de R$ 80 bilhões, portanto é algo muito muito forte, muito grande e que vai impactar de forma muito negativa tanto a educação quanto a saúde”.
Ele salienta ainda que, com a redução do ICMS, Bolsonaro “faz uma reforma tributária de forma distorcida” e “não ataca o preço internacional do combustível, que é o centro do problema, nem ataca a questão da lucratividade daqueles que detêm títulos da Petrobras”.
Segundo Ronald, “a derrubada do veto com relação à recomposição é algo fundamental para qualquer tentativa de acelerar o processo de reconstrução nacional a partir da derrota dessas forças do fascismo e do atraso no dia 2 de outubro”.