UC Global foi contratada para defender Assange mas foi aliciada pela CIA e espionou o jornalista (Reprodução)

Duas advogadas do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, e dois jornalistas estão processando a CIA e seu então diretor Mike Pompeo, mais a empresa espanhola de segurança UC Global e seu executivo David Morales, por violação do direito constitucional (Quarta Emenda, de 1791) à proteção de conversas confidenciais e ao privilégio cliente-advogado, cometidos quando o editor estava asilado na embaixada do Equador em Londres, no período entre janeiro de 2017 e abril de 2018.

O jurista Robert Boyle, que assessora a defesa de Assange, afirmou que o caso demonstra que o direito à defesa do jornalista “foi maculado, ou até destruído”. O processo foi protocolado na segunda-feira (15), em nome das advogadas Margaret Ratner Kunstler e Deborah Hrbek, e dos jornalistas John Goetz e Charles Glass.

Como estabelece o processo, a UC Global, contratada pelo governo do Equador para garantir a segurança da embaixada de Londres, após aliciamento pela CIA, implantou microfones e câmeras escondidas para espionar Assange e seus visitantes e sistematicamente copiou os dados de celulares e computadores de quem o visitava e os repassou à central norte-americana de atentados e espionagem. Uma operação sob supervisão de Pompeo.

O processo tem como base reportagem do Yahoo News de 2021 que revelou que CIA chegou a preparar planos para sequestrar e assassinar Assange, enquanto o WikiLeaks era tido como “uma agência hostil não-estatal”.

Mais conhecido preso político do planeta, Assange está na prisão de segurança máxima de Belmarsh, a ‘Guantánamo britânica’, em Londres, para ser extraditado por “espionagem” – isto é, por ter apresentado ao público os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão. Medida já autorizado pela (In)justiça inglesa, podendo ser condenado a 175 anos de prisão.

A perseguição a Assange começou com Obama, continuou com Trump e foi mantida por Biden. A ‘Lei de Espionagem’ foi parida em 1918, para encarcerar líderes contra a entrada dos EUA na I Guerra Mundial, a guerra de bandidos pela partilha do mundo – entre eles, o socialista e cinco vezes candidato a presidente, Eugene Debs.

QUARTA EMENDA VIOLADA POR POMPEO

“É algo surpreendente à luz da proteção da Quarta Emenda que temos na Constituição, que o governo federal realmente iria em frente e tomaria essas informações confidenciais, algumas das quais são privilegiadas pelos advogados-clientes, algumas das quais eram [de] jornalistas e até mesmo médicos que visitaram o Sr. Assange”, denunciou o advogado do caso, Richard Roth.

Ele acrescentou que as “atividades nefastas” da CIA tinham violado os direitos de seus clientes e que eles estavam buscando “a devolução de todas essas informações que foram coletadas indevidamente durante as visitas ao Sr. Assange”.

“A Quarta Emenda à Constituição dos Estados Unidos protege os cidadãos americanos de serem submetidos a buscas e apreensões irrazoáveis. Este princípio fundamental se aplica às buscas e apreensões dirigidas aos cidadãos americanos pelas forças policiais americanas em qualquer parte do mundo”, afirmou Boyle.

“Estas proteções da Quarta Emenda foram flagrantemente violadas”. O conteúdo dos dispositivos digitais dos demandantes “foi secretamente copiado pelo pessoal de segurança recrutado pela CIA e, em seguida, essa informação foi entregue à CIA. Isto era parte de um plano intencional”, acrescentou o jurista.

Em resposta a “essas atividades flagrantemente inconstitucionais”, Boyle instou à retirada do pedido de extradição pela Casa Branca e à revogação das acusações.

“Como advogada criminal, não acho que haja nada pior do que sua oposição ouvir o que seus planos são, o que você pretende fazer, suas conversas”, enfatizou a advogada criminal e de direitos civis e co-autora no caso, Kunstler. “É uma coisa terrível e é tratada pelos tribunais dos Estados Unidos [usualmente] como uma coisa terrível”.

Ela explicou que as violações do privilégio cliente-advogado levaram muitas vezes a que um caso fosse arquivado: “Vou lhe dar um exemplo. No caso Wounded Knee, houve um agente do FBI que ouviu à porta e relatou. Ele também fez um par de outras coisas como lidar com uma testemunha”.

O juiz naquele caso – ela assinalou – “indeferiu a acusação por má conduta grave”. “E a má conduta grave é exatamente o que aconteceu aqui, e eu não entendo como a CIA, eu acho que através da insanidade de Pompeo, poderia pensar que eles poderiam fazer isso. Isto é tão ultrajante que está além da minha compreensão”.

“Visitei Julian Assange na Embaixada do Equador em Londres para discutir assuntos jurídicos sensíveis”, relatou Debora Hrbek. “Na chegada, foi-nos dito um protocolo rigoroso para ‘a proteção de Julian’. Passaportes, celulares, câmeras, laptops, dispositivos de gravação e outros equipamentos eletrônicos foram entregues aos guardas de segurança no saguão”.

“Soubemos muito mais tarde através de uma investigação criminal sob a supervisão do tribunal na Espanha que enquanto visitantes como eu se reuniam com Julian na sala de conferência da embaixada, os guardas ao lado estavam desmontando nossos telefones e removendo e fotografando cartões SIM e acreditamos que descarregando dados de nossos equipamentos eletrônicos”, acrescentou.

O recrutamento da UC Global pela CIA se deu através de associados do doador de campanha de Trump, Sheldon Adelson, um dos magnatas de Las Vegas e amigo de Bibi Netanyahu, durante uma conferência técnica na capital norte-americanas dos cassinos, disse Debora. “Morales fez viagens regulares a Washington DC, Nova York, Las Vegas, supostamente para entregar as unidades de polegar e receber mais instruções de seus manipuladores do governo dos EUA”.

“Em outras palavras, durante nossas reuniões com Julian na embaixada, gravações de nossas conversas confidenciais e o conteúdo de nossos dispositivos eletrônicos estavam sendo entregues nas mãos do governo dos Estados Unidos” – aliás, o mesmo que agora ganhou de presente da mais alta corte britânica a extradição, depois de tardiamente mentir que se comprometia em respeitar os direitos do jornalista australiano e não torturá-lo.

“ESCÂNDALO”

Ela se indignou: “sou uma advogada de Nova York. Tenho o direito de ver que o governo dos EUA não está ouvindo minhas conversas privadas e privilegiadas com meus clientes, e que as informações sobre outros clientes em casos que eu possa ter em meu telefone ou laptop estão protegidas contra intrusões ilegais do governo. Isto não é apenas uma violação de nossos direitos constitucionais. Isto é um escândalo”.

Também co-autor da denúncia, John Goetz é editor de Investigações na emissora pública alemã NDR e trabalhou com Assange entre 2011 e 2017. Ele visitou Assange na embaixada em várias ocasiões e a NDR posteriormente processou a UC Global nos tribunais espanhóis “por ter escutado nossas conversas”. “E encontramos nesse processo uma série de documentos que eles prepararam sobre minhas reuniões com Assange. Acho isso muito perturbador. Pensei que estávamos protegidos, especialmente como cidadãos americanos, pela Quarta Emenda”.

A questão da operação da UC Global/CIA vem sendo examinada por um tribunal espanhol. Tudo isso se soma ao rol de ilegalidades cometidos pelo governo dos EUA para silenciar Assange, por expor os crimes de guerra desse período triste na história da Humanidade, a “ordem unipolar” sob os maníacos do Pentágono e os especuladores de Wall Street.