O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorreu a uma velha metáfora para caracterizar as fases de seu terceiro mandato à frente do Planalto. Se os primeiros dois anos foram de semeadura – ou seja, de retomar programas e estabelecer as bases de novas políticas públicas –, o biênio final do governo será para usufruir a safra que está vindo

“Agora, em 2025, é ano da colheita. Vamos começar a colher o que plantamos”, resumiu Lula na entrevista ao Fantástico, da TV Globo, em 15 de dezembro. “Daqui para frente, a gente (o governo) não pode inventar. Tem que colher o que semeamos, (colher) todos os atos que fizemos”, agregou o presidente na reunião ministerial de 20 de janeiro.

Duas pesquisas Quaest contratadas pela Genial Investimento e divulgadas num intervalo de 45 dias mostram que a “colheita” é apenas uma parte dos desafios para a gestão Lula. O primeiro desses levantamentos foi baseado numa pesquisa com 8.598 pessoas, feita de 4 a 9 de dezembro. Para explorar o cenário de polarização, a Quaest tenta ver se o eleitorado está mais à esquerda ou à direita, mais lulista ou mais bolsonarista.

O resultado é um eleitorado que lembra a música de Cazuza: “Meu partido é um coração partido”. No caso do Brasil, um coração tripartido. Numa ponta, estão 33% dos eleitores – aqueles que poderíamos chamar de “vermelhos”:

– 19% de declaram “lulista” ou “petista”

– 14% se dizem “de esquerda”, mas não se consideram “petista” ou “lulista”

Noutro extremo, está o polo direitista, mais próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Aí aparecem 32% de brasileiros:

– 12% de declaram “bolsonaristas”

– 20% se dizem “de direita”, mas não se consideram “bolsonaristas”

Entre os dois polos, está o eleitorado-pêndulo, que não se encaixa em nenhum dos grupos. Eles somam 34%:

– 30% declaram não ter um posicionamento

– 4% não sabem ou não responderam

À primeira vista, há um equilíbrio na “escala de posições políticas” proposta pela pesquisa Genial/Quaest. Mas a sondagem foi realizada logo após as eleições 2024, nas quais, de 5.569 municípios em disputa, os partidos de esquerda (PT, PCdoB, PV, PSB, PDT, PSOL e Rede) elegeram prefeitos em apenas 752 (13,5%). Já os três maiores partidos da direita (PL, PP e Republicanos) totalizaram 1.709 prefeitos eleitos (30,7%), pouco menos que os 1.755 de PSD e MDB (31,5%).

Na prática, o equilíbrio no ponto de partida (a inclinação do eleitor) não se traduziu num pleito polarizado. Mesmo com Lula na Presidência da República, a direita e, especialmente, a centro-direita cativaram mais votos e mais eleitos. Talvez tenham mais recursos, talvez capitalizem melhor certos tipos de emenda, talvez se dediquem ao terço do eleitorado sem predefinição partidário-ideológica. Mas, entre um e outro “talvez”, o certo é que foram além de seus eleitores mais tradicionais.

A segunda pesquisa Genial/Quaest, divulgada nesta segunda-feira (27), indica que, pela primeira vez desde o início do governo, sua taxa de desaprovação prevalece: 49% dos brasileiros reprovam o trabalho do presidente, ante 47% que o aprovam. Muito embora não tenha ocorrido nenhum retrocesso no País nos últimos 30 dias, o índice pró-Lula caiu cinco pontos percentuais de dezembro a janeiro.

Conforme recortes do levantamento, houve quedas significativas em segmentos do eleitorado mais “lulistas”. Entre os moradores do Nordeste, a aprovação caiu de 67% para 59%. Entre aqueles que ganham até dois salários mínimos, a taxa de apoio baixou de 63% para 56%.

No X (ex-Twitter), Felipe Nunes, diretor da Quaest, sugere que, se a colheita anunciada por Lula se confirmar, o governo pode reverter um de seus indicadores mais negativos: para 65% dos eleitores, o presidente não tem entregado as promessas da campanha de 2022. “Esse percentual sempre foi alto, mas chegou ao seu maior patamar”, diz Felipe. “Ou seja, mais do que gerar esperança, o atual governo produz frustração na população.” Que venha, então, a colheita para dissipar esse mal-estar.

Ainda segundo a pesquisa, 43% dos eleitores registram, hoje, mais notícias negativas do que positivas sobre o governo. O episódio da suposta “taxação do Pix” – uma fake news lançada e explorada pela oposição bolsonarista – comprovou a dificuldade da gestão em pautar o noticiário e as redes.

“A notícia negativa mais lembrada espontaneamente pela população nesta rodada foi a do possível monitoramento do PIX (11%). É um percentual muito alto que reforça o que a crise da primeira quinzena de jan/25 impactou na aprovação do presidente”, avalia o diretor da Quaest. Dois a cada três brasileiros acham que o governo mais errou do que acertou nesse caso.

De olho nesse problema, Lula nomeou o marqueteiro Sidônio Palmeira para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República. “A informação dos serviços não chega à ponta. A população não consegue ver o governo em suas virtudes”, discursou Sidônio, em 14 de janeiro, ao tomar posse. “As mães e os pais precisam saber que chegou vacina no posto. O garoto que está na escola precisa saber que existe o Pé-de-Meia. A jovem precisa saber que o governo fornece absorvente para proteger a dignidade dela.”

Por fim, sobressai a percepção negativa sobre a economia, mesmo com o crescimento do PIB e desemprego em baixa.  Dois em casa três brasileiros acham que a economia piorou ou está do mesmo jeito, quando comparada a 12 meses atrás. “Grande parte dessa percepção negativa sobre a economia vem do alto preço dos alimentos, que para 83% dos brasileiros subiu no último mês – o maior percentual da série histórica”, alerta Felipe Nunes.

São dados que fazem o governo ligar o “sinal amarelo”. É necessário – e é urgente – dar conta desse conjunto de desafios para viabilizar a “colheita” e transformá-la numa vitrine mais eficiente do governo Lula. “Vai ser preciso mais do que uma mudança de comunicação para mudar a rota desses indicadores”, conclui Felipe. “Política e gestão terão que andar acompanhados com a comunicação para que uma mudança real possa dar novo rumo ao governo.”