Alvo de preocupação global durante a pandemia de Covid-19, o mundo do trabalho foi tema de relevância na Cúpula do G20 (o grupo das 20 maiores economias mundiais). O encontro aconteceu pela primeira vez no Brasil, que ocupa desde dezembro de 2023 a presidência rotativa deste que se proclama “o principal fórum de cooperação econômica internacional”.

Na preparação para a cúpula, um dos 15 grupos de trabalho (GTs) tratou especificamente de Emprego. O colegiado, formado por ministros do Trabalho e Emprego dos Estados-membros do G20, sob a coordenação do brasileiro Luiz Marinho, começou de forma promissora. Pela primeira vez desde 2021, houve consenso no documento-síntese.

Divulgado em 26 de julho, o texto ressaltava como prioridades a criação de empregos formais, a promoção do trabalho digno e a igualdade de gênero no ambiente de trabalho. A base para a formulação de paradigmas foi a Agenda do Trabalho Decente, da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Em contrapartida, as novas tecnologias sobressaíam entre as inquietações. O grupo mencionava que, diante do avanço da inteligência artificial, é fundamental preservar empregos e direitos.

Um informe publicado no site da OIT destacava outros feitos do GT: “Sob a liderança do Brasil, marcos significativos foram alcançados, incluindo a adoção de uma Declaração Ministerial de Trabalho e Emprego que enfatiza trabalho decente, crescimento equitativo e transições justas entre as economias do G20. A Declaração também fortaleceu parcerias, como a Coalizão Internacional para a Igualdade Salarial e a introdução do Portal de Política Social do G20”.

Sindicalismo

Embora o movimento sindical tenha participado de algumas reuniões do GT Emprego, foi apenas na Cúpula Social do G20 que os trabalhadores tiveram protagonismo nos debates. Também conhecido como G20 Social, o evento foi realizado no Rio de Janeiro entre os dias 14 e 16 de novembro, às vésperas do encontro oficial.

Coube ao sindicalismo a realização de diversas atividades. A CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), por exemplo, ajudou a organizar três agendas: “Os Desafios da Classe Trabalhadora – A Reforma da Governança Global e as Ameaças de Guerra”; “Superação das Desigualdades entre Homens e Mulheres no Mercado de Trabalho – A Relevância da Lei de Igualdade Salarial”; e “Transições no Mundo do Trabalho – Tecnologias Emergentes, Sustentabilidade Ambiental e Justiça Social para um Trabalho Decente”.

As pautas debatidas pela CTB e pelas demais centrais presentes se refletiram na Declaração Final da Cúpula Social do G20. “Reafirmamos a centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT, como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades. É crucial combater o trabalho escravo, infantil, o tráfico humano e todas as demais formas de exploração e de precarização do trabalho”, aponta o documento.

O G20 Social defendeu “a formalização do mercado de trabalho e de economias inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados. É essencial assegurar que todos, especialmente jovens, população negra, mulheres e os mais vulneráveis, tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e à ampliação dos direitos sindicais”.

Seis diretrizes

Todas essas contribuições subsidiaram o documento final da Cúpula do G20, batizado de Declaração de Líderes do Rio de Janeiro e aprovado por consenso nesta segunda-feira (18). Antes de tudo, a cúpula frisou que a desigualdade “está na raiz da maioria dos desafios globais que enfrentamos e é agravada por eles”.

A resolução dedica o ponto 37 à pauta trabalhista. “Reconhecemos a importância de criar empregos de qualidade e promover o trabalho digno para todos a fim de alcançar a inclusão social”, assinala o documento. De posse das propostas do GT Emprego e do G20 Social, os líderes do G20 se comprometeram com seis diretrizes nessa área. O “DNA” do sindicalismo aparece particularmente no eixo “promover o diálogo social e a negociação coletiva”.

A luta por mais direitos e garantias aos trabalhadores é outro pilar. O G20 cobra a efetividade da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, “empoderando os trabalhadores e erradicando o trabalho forçado, acabando com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, bem como eliminando todas as formas de trabalho infantil”.

O documento defende também melhores condições de trabalho, de modo a garantir “segurança e saúde ocupacional e acesso a proteção social adequada para todos os trabalhadores”. Além disso, num mundo às voltas com a 4ª Revolução Industrial, há um apelo por “uma transição justa em todos os setores”.

Duas diretrizes reforçam o compromisso geral de combater desigualdades. Uma delas afirma que os países devem “superar as divisões digitais e priorizar a inclusão de pessoas em situações de vulnerabilidade”. A outra deliberação critica abertamente “normas sociais e culturais discriminatórias, bem como barreiras legais” que prejudicam especialmente as mulheres.

Equidade de gênero

As demandas das mulheres trabalhadoras são aprofundadas no ponto 32, que incorpora propostas do GT de Empoderamento das Mulheres. Um dos chamamentos é à ampla e qualificada inclusão feminina no mundo do trabalho: “Encorajamos o desenvolvimento liderado por mulheres e promoveremos a participação e a liderança plenas, equitativas, eficazes e significativas das mulheres em todos os setores e em todos os níveis da economia, o que é crucial para o crescimento do PIB global”.

A Cúpula do G20 se inspirou no exemplo do país anfitrião, o Brasil, que, em 2023, editou a Lei da Igualdade Salarial. Poucos assuntos mereceram tanta atenção na Declaração do Rio de Janeiro, com seu “total compromisso com a igualdade de gênero”. Ministros do Trabalho ou do Emprego são incitados a “estabelecer novos compromissos do G20 para o período pós-2025, em especial no que diz respeito à redução da desigualdade salarial de gênero”.

Pela primeira vez, o G20 cita a chamada “economia do cuidado”, um segmento predominantemente feminino. “Nós nos comprometemos a promover a igualdade de gênero no trabalho de cuidado remunerado e não remunerado para garantir a participação igualitária, plena e significativa das mulheres na economia, promovendo a corresponsabilidade social e de gênero, encorajando e facilitando o envolvimento igualitário de homens e meninos no trabalho de cuidado e desafiando as normas de gênero que impedem a distribuição equitativa e a redistribuição das responsabilidades de cuidado”.

No ponto que trata de Educação, a Cúpula do G20 exalta os professores. Conforme o texto, vive-se hoje a “escassez global” de trabalhadores docentes, que tem de ser revertida: “Políticas de desenvolvimento profissional capazes de qualificar e reter professores, além de estimular o interesse de professores no início da carreira, tornaram-se um componente essencial do desafio multidimensional de preparar nossas sociedades para o futuro”.

É com o olho nesse futuro que o G20, ora presidido pelo Brasil, aprovou o mais detalhado documento de sua história que aborda, direta e indiretamente, o mundo do trabalho. “Agradecemos ao Brasil por sua liderança este ano e esperamos trabalhar juntos em 2025 sob a presidência da África do Sul e nos encontrar novamente nos Estados Unidos em 2026”, conclui a Declaração de Líderes do Rio de Janeiro.