Trump e Pence pleiteiam por “mais quatro anos” | Foto: Andrew Harnik (AP)

Com pressa de correr atrás do prejuízo – isto é, da intenção de voto – a convenção do Partido Republicano aprovou a chapa Donald Trump-Mike Pence à reeleição, logo na manhã do primeiro dia dos trabalhos, nesta segunda-feira (24).

Trump deverá fazer na quinta-feira o discurso de aceitação – mas não deixou de aparecer logo no primeiro dia, de “surpresa”, em Charlotte, na Carolina do Norte, e conforme as notícias, vai falar durante todos quatro dias. O que levou a CNN a chamar a convenção de “trumpcêntrica”.

Em seu discurso, Trump voltou a acusar os democratas de quererem “usar a Covid” para fraudar a eleição (com o voto pelo correio), insistiu em que só perderá se for roubado, e acusou os governadores pelo desastre da pandemia. ‘Estavam totalmente mal preparados [para a Covid], ninguém quer dizer isso”.

Depois de uma devastação contrária ao seu lema de campanha – “Make America Great Again” (Fazer a América Grande de Novo) – garantiu que agora a economia está caminhando para uma “recuperação em forma de super V” e acusou os democratas de tentarem manter os negócios fechados durante a pandemia para “prejudicá-lo politicamente”.

Segundo ele, a economia – provavelmente se referindo à especulação em Wall Street – era magnífica, “até à praga”.

Sobre o Texas – estado governado por um republicano em que as pesquisas inesperadamente andam dando empate de Biden com ele -, Trump disse que os democratas são “contra o fracking” e que ninguém vencerá no estado “sem planos para o petróleo, para as armas e sem falar em Deus”.

A convenção já começou devidamente carimbada com o anúncio do afastamento da Casa Branca, por razões familiares, da conselheira sênior, Kellyanne Conway. O que se soma à repercussão da gravação da própria irmã, Maryanne Trump Barry, descrevendo-o: “é a falsidade em tudo. É a falsidade e essa crueldade. A falta de preparação. A mentira”.

E, ainda, pelo rompimento com ele – e apoio a Biden – de 73 ex-altos funcionários da Defesa, Inteligência e Segurança Nacional, um ex-governador e mais de 20 ex-senadores e ex-deputados, todos republicanos. John Kasich, ex-governador do Ohio, disse que isso jamais aconteceria em termos normais, mas “esses não são tempos normais”.

O que não impediu a presidente do Comitê Nacional Republicano, Ronna McDaniel, de asseverar que “nosso partido está unificado, nossos apoiadores estão energizados e agora seguiremos em frente confiantes em nossa causa de reeleger o presidente Trump e o vice-presidente Pence em 70 dias a partir de agora”.

Ao contrário da Convenção Democrata, virtual, a confirmação da indicação de Trump foi feita por votação nominal e presencial, por seis delegados de cada estado, muitos deles sem máscara facial, e que fizeram um coro de “mais quatro anos, mais quatro anos”.

Depois do pontapé inicial em Charlotte, a maior parte da Convenção Republicana irá ocorrer na capital, Washington, na Casa Branca e arredores, bem como por vídeo.

Além dos discursos de Trump – e da mulher e filhos -, irão se alternar reacionários de vários matizes e até os “populares por Trump” – como aquele casal que ameaçou manifestantes antirracistas com armas de grosso calibre.

Uma ausência que será notada será a do ex-pré-candidato a presidente e líder dos “Negros por Trump”, o magnata das pizzas, Herman Cain, que morreu recentemente de Covid-19, depois de fazer campanha contra o uso de máscara facial e de ir sem máscara ao comício de Trump em Tulsa.

Desde Jerusalém, registrou o Washington Post, o secretário de Estado Mike Pompeo irá se dirigir à convenção, ação que os democratas denunciam como uma “desgraça” e uma “encenação”.

No domingo, um conselheiro da campanha de Trump disse ao programa da NBC “Meet the Press”, que a convenção republicana teria uma “mensagem excelente e edificante” – em contraponto ao que os republicanos chamam de “mensagem sombria” da convenção democrata.

Que gente exagerada esses democratas: 50 milhões de norte-americanos desempregados; 40 milhões ameaçados de despejo; o complemento do seguro-desemprego de US$ 600 semanal acabou; o país é recordista mundial de covid-19, com quase 6 milhões de casos e mais de 170 mil mortes; todos os dias matam um negro impunemente; Estados quebrados por terem de agüentar sozinhos o repuxo da pandemia; xenofobia e racismo inflados desde a Casa Branca; e Trump ameaça não aceitar o resultado da eleição se perder, depois de ter lançado militares e policiais federais contra manifestantes pacíficos.

A CNN ironizou a mensagem “edificante” republicana, perguntando como isso se encaixaria na narrativa de Trump “de uma terra assediada por cidades em chamas, subúrbios sob cerco e prestes a ser invadidos por antifascistas em uma eleição que ele afirma ser a mais corrupta da história sem fornecer qualquer evidência para apoiá-lo”.

Ainda em seu discurso, Trump pediu sua reeleição, lembrando ter nomeado “dois ministros” para a Suprema Corte, e que no próximo mandato poderia nomear “até cinco” – o que seria muito importante para a “segunda emenda” [armas], os “militares” e a recriminalização do aborto. Os democratas querem “tirar suas armas”, enfatizou.

“Em um segundo mandato, vamos continuar a reforçar o exército, que havia sido sucateado” [os EUA, sozinhos, tem um orçamento militar maior que o dos nove países seguintes que mais gastam], asseverou o ex-apresentador de reality show.

“Eles querem aumentar os impostos, eles vão quadruplicar os impostos”, acrescentou o presidente bilionário, que no primeiro mandato reduziu o imposto dos colegas magnatas em US$ 1,7 trilhão em dez anos.

Trump também prometeu romper mais tratados e abandonar mais organismos internacionais: “drenar o pântano globalista enfrentando as organizações internacionais que prejudicam os cidadãos americanos” – tipo a Organização Mundial da Saúde, em plena pandemia.

“Vamos criar 10 milhões de empregos”, afirmou, ameaçando também as cidades santuário, que não perseguem os imigrantes, como Trump quer.

Ele se comprometeu em agravar a guerra comercial com o mundo inteiro: “Vamos impor taxas aos países que tiram vantagem dos EUA, há países que nos impõem alíquotas e não retaliamos”. “Vamos dar créditos para empresas que trouxerem empregos da China”.

Sobre a Covid, a proposta apresentada à Convenção Republicana é de “desenvolver uma vacina até o final de 2020, retornar ao normal em 2021 e responsabilizar a China por permitir que o vírus se espalhasse pelo mundo”.

Depois de ter retirado os EUA do Pacto do Clima de Paris, a proposta é “continuar a liderar o mundo em acesso à água potável mais limpa e ao mais limpo ar do mundo”. Nas promessas de reeleição, não faltou nem mesmo um pouso em Marte.

Como cereja do bolo do primeiro dia da Convenção Republicana, pesquisa da CBS mostrou que 57% dos eleitores republicanos consideram as 170 mil mortes pelo coronavírus “aceitáveis”. Comparado com 10% dos eleitores democratas e 33% dos que se declararam independentes.

Para a maioria dos republicanos, a América é uma nação onde a economia “ainda é bastante boa”, o esforço contra o coronavírus está indo “pelo menos um pouco bem” e o presidente está fazendo “um trabalho muito bom nisso”. Para eles, nem precisa se preocupar tanto com o vírus, em primeiro lugar. Muitos consideram que 170.000 mortos são uma “contagem exagerada”.

Na última pesquisa de intenção de voto da CNN, Biden está 9 pontos percentuais à frente de Trump, que precisa tornar sua convenção um trampolim para tentar virar o jogo.

Nos Estados campo de batalha, que são os que decidem a eleição no colégio eleitoral, de acordo com as pesquisas, até aqui Biden segue na frente. Conforme os líderes democratas, a própria democracia está em jogo nos EUA neste momento e Biden se comprometeu a dar fim a essa “temporada de escuridão”.

A mídia norte-americana diz que, ao contrário da Convenção Democrata, em que três ex-presidentes democratas endossaram o candidato Biden, não se deve esperar isso na Convenção República de parte do ex-presidente W. Bush.

Em compensação, entre a fauna que será vista nos vários lugares em que irá se desenrolar a Convenção Republicana, não faltarão aqueles fanáticos tipo QAnon, que acreditam que Trump irá liderar o mundo na cruzada contra os “pedófilos reptilianos satânicos”, ligados ao Estado Profundo, aos democratas e a Hollywood. “Eles gostam de mim”, gabou-se na semana passada Trump.