O ato de comemoração de 100 anos do PC da Argentina (PCA) aconteceu no mesmo lugar de sua fundação, o salão do Teatro Verdi do bairro “La Boca”, na cidade de Bueno Aires, no dia 6 de janeiro de 1918, com o primeiro congresso do Partido Socialista Internacional, e que em 1921 passaria a chamar-se Partido Comunista da Argentina.

Por João Batista Lemos*

O ato, que ocorreu no último dia 6, sábado, iniciou-se com uma sessão solene do Comitê Central argentino, com duas saudações iniciais, a primeira de Alejandro Gonzales Galeano, embaixador de Cuba, e tivemos a honra de fazer a segunda saudação pelo PCdoB.  Por último, a rica intervenção política do secretário-geral, Victor Kot, resgatando a história do Partido Comunista, suas lições e perspectivas.

A comemoração continuou com um vibrante ato cultural na rua em frente ao Teatro Verdi, do histórico bairro popular “La Boca”, acompanhado por centenas de militantes, amigos do Partido Comunista e gente do povo. Aí se apresentaram artistas comunistas e da esquerda argentina, da heroica resistência do povo argentino, às músicas, poesias, declarações de mães de presos e assassinados pela ditadura, com dedicação especial a Mercedes Sosa (falecida em 2009), comunista, cantada por uma dirigente e artista do PC da Argentina.

 

Como dirigente sindical comunista tive contato com o Partido Comunista da Argentina já há algum tempo e encontrei um partido em revigoramento, em reconstrução, forte unidade e com uma militância aguerrida, com crescente influência na juventude, no movimento operário/sindical e no movimento das mulheres.

O Partido Comunista, hoje como se apresenta, está em constante aprendizado, o que foi explicitado por Victor Kot numa rica intervenção em sessão do Comitê Central do PCA, com o título “Pela Libertação e o Socialismo”. Do qual abrange uma contribuição ao movimento comunista e que vale ressaltar algumas passagens:

Sobre sua identidade

“Nosso Partido se afirma no marxismo-leninismo, e desde ali é herdeiro e aspira a ser o continuador das melhores tradições patrióticas e latino-americanistas de nossa história. Guiamo-nos pelo legado ideológico e teórico de Marx, Engels e Lenin, e seu enriquecimento em particular com os aportes de Gramsci, Luxemburgo, Kollontay, Mariátegui, Mao, Ho Chi Minh, Guevara, Fidel Castro, entre outros. Reconhecemo-nos nas tradições revolucionárias de nosso povo, nas sublevações indígenas, na guerra de independência, no legado de San Martin, Artigas, Bolívar, e outros patriotas. Nas lutas operárias dos finais do século XIX e do século XX com suas grandes greves, na Reforma Universitária”, entre outras lutas históricas.

 

Assinala Vitor Kot, “somos um partido que reafirma a identidade revolucionária renovada em seu 16º Congresso, processo impulsionado por Athos Fava e por Patrício Echegaray, que jogaram papel preponderante, no qual, valorizando os acertos de nossa história e autocriticando com exemplar honestidade e franqueza nossos erros. Reformulamos nosso projeto político com o objetivo de pôr fim na dispersão do campo popular e reforçar, como vimos, dando valor ao processo de unidade do qual surja o bloco político e social da revolução”.

Define Victor: “Nossa luta se insere na luta geral dos povos do mundo contra o neoliberalismo, expressão atual do capitalismo mundial e hegemônico, contra a vocação ‘guerrerista’ do imperialismo, pela independência nacional e o socialismo”.

Victor Kot analisa a fase histórica em que vivemos: “Chegamos aos nossos primeiros 100 anos de história enfrentando a maior crise conhecida na história do mundo capitalista, uma crise civilizatória, como caracterizou Fidel Castro, que inclui aspectos financeiros, energéticos, culturais e econômicos, que se manifestam dramaticamente em termos humanitários, ambientais, alimentares, pondo em risco a sobrevivência mesma da humanidade”.

Enfatiza como uma longa etapa de degradação capitalista que aprofundará o caos neoliberal das últimas décadas. “Devemos prestar atenção ao conceito de decadência, pois não se deve ter uma visão determinista e sim como um grande processo de sinal aberto sobre o qual devemos operar e que só poderá ter um resultado favorável para a humanidade se as forças de esquerda e progressistas se unirem e atuarem com racionalidade revolucionária”.

Quanto à perspectiva da luta dos povos, levanta com entusiasmo a alternativa socialista: “Não só tem resistido, pois vai ao caminho de se aperfeiçoar e persiste surgindo de forma multiforme ampla ao longo do mundo, muitas vezes sob aparências confusas, mas expressando experiências políticas de enorme densidade cultural que devemos analisar em profundidade. Assim temos, neste sentido, as experiências de Cuba, China e Vietnã”.

Sentido histórico: “Abre portanto a possibilidade de uma onda revolucionária, não só aparece como o produto da crise capitalista e de sua prolongação e agravamento, mas também apoiada em um gigantesco patrimônio democrático e de luta acumulada pela humanidade ao longo do século XX, na América Latina em particular, início do século XXI, e por sua magnitude não tem precedente na história das civilizações”.

Por uma frente ampla e unitária contra a entrega, o ajuste e a repressão

São com estas bandeiras que os comunistas argentinos se empenham para mobilizar o povo contra o governo de Macri. Afirma Victor Kot: “Em nossa região esta contraofensiva de direita busca avançar cada vez mais sobre o que foi conquistado nas últimas décadas por governos progressistas e de esquerda. Na Argentina, a direita encarnada em ‘Cambiemos’ chegou ao governo por meio das eleições que deram o triunfo a Mauricio Macri e governa como parte de um bloco de poder que tem instalado um verdadeiro governo de classe. Um governo autoritário com fachada democrática que avança com o beneplácito de setores e partidos tradicionais, a cumplicidade da justiça e a cobertura midiática sem precedentes em direção a uma política antipopular, baseada no ajuste, na entrega e na repressão”.

 

Frente a esta situação, que tem crescido o mal-estar entre amplos setores da população, o Partido tem sido parte das múltiplas marchas e manifestações, colocando como tarefa central e de alta complexidade a construção de uma alternativa política e social, a mais ampla e unitária possível, que enfrente com êxito o governo. É com estas tarefas que os comunistas argentinos estão comprometidos.

Enfim, são apenas algumas passagens da intervenção de Victor Kot, secretário-geral do Comitê Central. Penso que retratam algumas das ideias de acumulação coletiva e histórica do Partido Comunista da Argentina e de sua ação política, dentro de um quadro de defensiva estratégica e de resistência. Os comunistas argentinos procuram desenvolver o marxismo-leninismo com muita criatividade e convicção revolucionária para sua realidade concreta e histórica.

Encerro citando um trecho da poesia do militante e autor comunista, Rogerio De Leonardi, para saudação deste congresso do PCA, O Tempo:

Obstinadamente, recorremos aos homens e mulheres livres

as melhores histórias dos melhores tempos.

               A quanto proclama o Manifesto que já venceram o tempo.

 Janeiro foi um de aqueles tempos na La Verdi,

               em La Boca de Quinquela, da imigração e seus barcos.

                               Das incipientes lutas proletárias.

      A Argentina deu seu tempo em um Janeiro, do que transcorreram, obstinadamente

      Cem Anos!…

* Presidente estadual do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no Rio de Janeiro. Representou a direção do PCdoB no ato de Comemoração dos 100 anos do PC da Argentina.

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