“As pessoas não são más, irmão. Elas só estão perdidas. Ainda há tempo”.

Criolo

O livro “A Esquerda Ausente” de Domenico Losurdo foi lançado no Brasil no fatídico ano de 2016, em que um golpe contra o governo Dilma foi desferido, e os partidos de esquerda que o enfrentaram, tiveram expressiva queda de votos nas eleições municipais, sobretudo nos bairros de periferia.

Por Igor Pereira*

PT, PCdoB e PSOL seriam “a esquerda que agrada os ricos[1]”? Em São Paulo e Rio de Janeiro, Fernando Haddad e Marcelo Freixo perderam eleitores nas comunidades periféricas. Losurdo, em sua obra já mencionada aqui, fornece hipóteses consistentes para essa crise. “A esquerda no Ocidente parece mergulhada na confusão e na dispersão”, constata ele. E faz um chamado crítico e generoso a esquerda do Ocidente liberal, que combate por vezes os efeitos do neoliberalismo, mas não de modo pleno o colonialismo, neocolonialismo e imperialismo.

Em sintonia com essa análise, a proposta de Resolução do PCdoB, em seu parágrafo 124, se refere a um multiculturalismo aparentemente progressista, mas que na essência reforça o conservadorismo de negação a política. “Não apresentam alternativa sistêmica de sociedade”, descreve o documento, realçando que essas forças que contrapõem as chamadas organizações “tradicionais” do movimento social brasileiro, não concebem a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento. Desta forma, teríamos um quadro mais preciso da confusão da esquerda. Estaríamos não só dispersos, mas também fragmentados. Falta noção de projeto nacional sem o qual as bandeiras particulares se perdem e se entrechocam.

Decorre dessa dispersão e fragmentação o crescimento do que pode ser chamado de adesão popular a um pensamento retrógrado. Esse fenômeno é anterior ao ano de 2016. Em 2014, o Congresso eleito contou com a maior bancada evangélica de toda a história. Bancada eleita fundamentalmente pela classe trabalhadora. Pesquisas de intenção de votos apontam o deputado Jair Bolsonaro, de discurso reacionário, como um dos líderes das pesquisas. O que nos diz esse apelo? Porque uma quantidade expressiva de trabalhadores aderiram a esse pensamento?

Uma das razões possíveis é a chamada questão da moral e dos bons costumes e a defesa da família. A questão da família é importante para o trabalhador, não necessariamente por uma motivação de mera ideologia, como preconceituosamente em geral a esquerda imagina. Para o trabalhador mais próximo da definição clássica de proletariado (termo que advém de “prole”, que significa justamente “família”), a família ameaçada significa perda de estabilidade e seguridade social. A família é a única “posse” daqueles que só possuem sua força de trabalho. A família, e o seu orgulho, ambos possuem valores imateriais, subjetivos, mas que adquirem importância. Quando a família está ameaçada por problemas de álcool, drogas, violência ou recessão econômica, isso afeta sua estabilidade. Os pastores e lideranças como o Bolsonaro, exploram esses valores e muitas vezes jogam em cima da esquerda a imagem de “ameaça a família” . Por isso que os debates comportamentais colocam a esquerda na incômoda posição de chocar-se diretamente com esse proletariado numeroso.

Evidente que as questões que se associam ao multiculturalismo não são contraditórias a família. Mas nessa batalha de ideias, a esquerda, que está em desvantagem, precisa agir com muita clareza, sabendo que pisa em terreno minado. Deverá ter claro sua prioridade. Qual o elemento central da discussão? Como ampliamos para radicalizar? Como radicalizamos ampliando? Na atual conjuntura de ofensiva imperialista, em que fazemos o balanço dos treze anos de Lula e Dilma, e lutamos contra um governo ilegítimo antipovo e anti-Brasil, como fortalecer o PCdoB e elevar o seu papel de resistência?

O país carece de perspectivas. O povo pode acreditar em si mesmo ou ser iludido a seguir um fascismo que retumba em vários espaços. Para que ocorra a primeira alternativa, precisamos conquistar o apoio da classe trabalhadora. Ela é o pilar de qualquer projeto de hegemonia. Para conquistar o apoio dos trabalhadores, precisamos retomar com eles o diálogo e angariar a sua confiança. Qual programa os contempla?  Quais as suas necessidades? Nós sabemos que nossa ideia de desenvolvimento nacional com valorização do trabalho seria a melhoria da vida de milhões de famílias hoje precarizadas, assustadas pela violência e escandalizadas pela política vendida como espetáculo grotesco pela mídia. Mas será que eles sabem disso? Estamos discutindo esse programa com essas famílias?

O caminho de superação dessa limitação passa por reencontrar o vínculo orgânico com a vida cotidiana do proletariado, bem como perceber que o pensamento reacionário não entra só em conflito com os revolucionários, mas também conservadores e liberais. Por isso, são dois os movimentos dos comunistas para enfrentar essa crise: aumentar seu vínculo orgânico com a classe trabalhadora e isolar o pensamento reacionário. A síntese disso é uma frente ampla protagonizada e sustentada na classe trabalhadora.

Os partidos políticos e sindicatos precisam fazer o trabalho de base que hoje é muito mais feito pelas igrejas neopentecostais. Precisamos estar em contato permanente com a classe trabalhadora, e não pontualmente em época de eleição. Uma das formas possíveis é fazer as vezes dos serviços negados pelo Estado. Um exemplo de espaços de contato entre militantes e trabalhadores são os cursinhos populares preparatórios para o ingresso na Universidade. Outro exemplo foi uma experiência levada a cabo pela CTB no Rio Grande do Sul, que elaborou um curso preparatório para concurso público. Existem outras tantas formas, como ações culturais junto às comunidades, debates, mutirões de serviços, campanhas de circulação de livros, rádios e tevês comunitárias, cineclubes, etc. Quanto mais diversos forem os jeitos, mais contato vamos criando.

O PCdoB se alicerça nos organismos de base por locais de trabalho, moradia, de estudo, em qualquer lugar onde haja militância partidária. Organizar, fortalecer, dar vida concreta a esses organismos é estar efetivamente ligado aos anseios das pessoas. É fazer parte da vida do povo e da luta pela superação de suas opressões.

Paralelo ao aumento desse vínculo é importante perceber que o pensamento reacionário defende um retorno nostálgico a supostos valores e costumes do passado. Essa forma de pensar entra em conflito com setores mais modernos da própria burguesia. Explorar essas contradições é o caminho de uma frente ampla. Isolar o pensamento reacionário passa portanto pela construção de uma frente ampla alicerçada pela classe trabalhadora, de caráter nacionalista, democrático, desenvolvimentista, anti-imperialista, onde cabem todos os setores sociais interessados na em construir um Projeto de Nação.

[1] O colunista da Globo Helio Gurovitz assim caracterizou os partidos de esquerda analisando o resultado eleitoral de 2016, tomando como exemplo as derrotas de Fernando Haddad (PT) e Marcelo Freixo (PSOL) que obtiveram baixa votação em bairros da periferia de São Paulo e Rio de Janeiro.

*Membro da direção estadual da CTB/RS. Técnico em assuntos educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Militante do PCdoB há dez anos.