“A luta de classes, hoje, mais do que nunca, se lê no espaço” (Lefebvre, 2000: 68)
Historicamente nós comunistas temos atuado com empenho nas três frentes de acumulação de forças (a luta de massas, a presença e o trabalho nos parlamentos e governos, e a luta de ideias) na luta pelaReforma urbana e pelo Direito à Cidade. Merece destaque, por exemplo, a atuação do ex-senador, Inácio Arruda (PCdoB – CE) neste debate.
Por Débora da Costa Queiroz*
Entretanto, apesar da experiência acumulada dos comunistas, no Projeto de Resolução esta tem pouco (ou praticamente nenhum) destaque, caracterizando-se em grave equívoco ou ausência.
A urbanização das cidades brasileiras ocorreu sob um molde concentrador e excludente, contribuindo para a formação de enormes aglomerados urbanos desprovidos de um mínimo de infraestrutura e marcados por graves problemas de difícil solução. Estes problemas afetam sempre a classe operária, que sofre em bairros e cidades de grandes densidades populacionais, com a falta de infraestrutura e saneamento básico, transporte coletivo, saúde, educação e lazer.
Nas décadas de 40 e 50 do século XX, acontece uma aceleração do processo de urbanização nas maiores cidades brasileiro, levando a um de inchamento das cidades, e consequentemente a um agravamento do problema habitacional. É neste contexto que se insere a luta pela Reforma Urbana nesta época. Seu principal ideal era solucionar a questão habitacional.
Já na década de 60, a preocupação com os problemas urbanos era alvo de intensas discussões, lideradas pelos arquitetos e urbanistas, em conjunto com profissionais de áreas próximas. Estes profissionais e parlamentares se reuniram no histórico Seminário de Habitação e Reforma Urbana, realizado em 1963, no Hotel Quitandinha, no Rio de Janeiro, e desenharam o primeiro projeto encaminhado à Câmara, que fora em seguida abortado com a eclosão do golpe de março de 1964.
Durante a Ditadura militar este processo foi silenciado através da censura e perseguição aos movimentos populares.
Com o início do processo democrático brasileiro e a elaboração da Constituição de 1988 as discussões sobre a Reforma Urbana voltam à tona. A gravidade dos problemas urbanos brasileiros, combinado ao esforço da sociedade civil organizada, levou à inclusão de um capítulo específico sobre política urbana na Carta Magna.
Vencendo resistências poderosas, no período neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, em 1999, conquistou-se a promulgação, após dez anos de debate na Câmara e no Senado, do Estatuto da Cidade – importante instrumento jurídico–formal que reúne um conjunto de dispositivos destinados a assegurar os preceitos constitucionais do direito de todos à cidade e o caráter social da propriedade territorial urbana.
Entretanto, o Estatuto da Cidade, lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001,veio a regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, após quinze anos transitando no Congresso. Este estabelece parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil. Além disso, oferece instrumentos para que o município possa intervir nos processos de planejamento e gestão urbana e territorial, garantir o direito à cidade.
Para Lefebrve (1968), o direito à cidade é: “um direito de não exclusão da sociedade urbana das qualidades e benefícios da vida urbana.”
Os governos Lula e Dilma inicialmente sinalizaram avanços positivos no que tange à gestão do espaço urbano e na distribuição dos benefícios da urbanização. Em 2003, com a criação do Ministério das Cidades uma nova perspectiva se abria, sinalizando a possibilidade de esforços pela Reforma Urbana. Entretanto, com a substituição de Olívio Dutra em 2005 por Márcio Fortes (PP- RJ) significava a derrocada de um projeto progressista de planejamento de cidades e soberania nacional em detrimento da especulação imobiliária.
Uma lacuna de atuação efetiva e contundente acontece entre 2005 e 2009, ano quem que lançado o Programa Minha Casa Minha Vida citado pelo Projeto de Resolução, em seu artigo 53:
“O programa Minha Casa, Minha Vida proporcionou moradia digna para 6,8 milhões de brasileiros.”
É inegável o papel do Minha Casa Minha Vida na redução do Déficit Habitacional, assim como no aquecimento da economia de setor da Construção civil. Entretanto, o Programa pouco contribuiu para um debate mais profundo sobre nossas cidades e a vida de seus cidadãos, assim como para a consciência de classe e para uma compreensão mais ampla sobre a função social da propriedade e da Reforma Urbana.
Se nos governos petistas temos poucos avanços para comemorar, já no governo golpista podemos dizer que a Medida Provisória 759/2016, configura um grande retrocesso nos debates de regularização fundiária e da função social da propriedade.
São muitos os desafios que são colocados para os comunistas para barrar os retrocessos e a agenda de contrarreformas, assim como lutar contra os Direitos arduamente conquistados. Para isso, faz-se urgente colocar a Reforma Urbana no centro do debate político para o próximo calendário de lutas.
No que tange à estrutura partidária é de extrema importância que o Partido Comunista do Brasil avalie a formação de uma Secretaria ou Grupo de Trabalho, em que atuem quadros preparados de diversas partes e realidades urbanas distintas deste país continental, para tratar da temática da Reforma Urbana e consequentemente de suas políticas adjacentes: habitacional, mobilidade e acessibilidade urbana, saneamento básico e planejamento urbano-regional.
Em tempos de golpes e contrarreformas é preciso compreender que as cidades são o lócus da luta de classes, e que nesta luta o PCdoB tem lado!
*Arquiteta e Urbanista, Especialista em Patrimônio Cultural. Membro do Diretório do PCdoB de Ouro Preto-MG. Presidenta do Núcleo Municipal e Membro da Direção Nacional da União Brasileira de Mulheres