Não é novidade para os comunistas participarem de governos de frente ampla, de frente popular, de frente democrática e até mesmo governos patrióticos e nacionais ainda que sob maioria burguesa. No Brasil, ainda que seja recente essa experiência, ela torna-se extensiva e generalizada a partir da posse de Lula em janeiro de 2003. Os comunistas vão para o primeiro escalão do governo da República pela primeira vez na história, ocupando um ministério.

Por Lejeune Mirhan*

O PCdoB desde seu Encontro Nacional de Partido, realizado com o objetivo de passar em revista uma nova tática de participação em governos, vem dizendo que temos três formas de acumulação de forças. A primeira delas é a participação no movimento popular e sindical. Esse é o leito principal do Partido, por onde nascem e se fortalecem os quadros que vem das massas e depois se formam para serem quadros de Partido. Jamais devemos descuidar desse veio.

A segunda forma de acumulação de forças encontra-se nos parlamentos. Há muito os comunistas vêm dizendo que seus parlamentares são as vitrines do Partido. Um partido que não tem sequer um parlamentar na Câmara Municipal de sua cidade dificilmente pode se fazer ouvir seja pelo próprio povo, seja pelos governantes.

Por fim, uma terceira forma de acumulação de forças que é justamente a participação em governos. Coloquei-a em terceiro exatamente por isso. Em minha concepção essa é a que menos devemos utilizar e depender dela. Todos sabem de exemplos em que os quadros do Partido foram orientados a sair do governo e além de uma parte não atender à nova orientação, acabamos por perder nossa estrutura material, pois dependíamos das contribuições desses quadros. Isso é inaceitável.

Nos estados e nos municípios de tamanhos variado, desde metrópoles até cidade pequenas do interior esse fenômeno vem ocorrendo. O arco de alianças municipais e estaduais é bastante amplo. Ainda que sempre baseados em um programa progressista e mais avançado para as localidades onde atuam, estes programas nem sempre são cumpridos e acabam sendo “letra morta” como se diz.

Venho fazendo reflexões sobre o sentido e o significado de nossa participação em governos burgueses ou mesmo de centro-esquerda onde nem nós somos o centro da aliança e muito menos o sistema em que vivemos nos permite realizar grandes mudanças na estrutura econômico capitalista. Então, porque participar? Esse é o desafio. Pretendo aqui levantar alguns pontos sobre condições de participação, objetivos e critérios de escolha dos quadros como forma de contribuir para o nosso aprimoramento. Como vimos dizendo, o erro não são as alianças amplas. O grande erro é o fato da esquerda não ser o centro das alianças.

Vejo sentido em participação em governos progressistas, de centro esquerda ou mesmo burgueses se pudermos contribuir para quatro grandes questões: 1. Organização do povo; 2. Ampliar a democracia direta e popular (hoje o máximo que conseguimos produzir foi o tal “orçamento participativo”); 3. Contribuir para a diminuição da distância social (diminuição das desigualdades) e 4. Ampliar o grau de consciência do nosso povo.

Os comunistas não arrumam empregos para os seus quadros. Eles determinam tarefas para determinad@s camaradas que, muitas vezes, podem até estar trabalhando e sendo produtivos em outros setores, serem servidores de carreira em outros órgãos. Acho que devemos combater os altos salários existentes na estrutura federal e mesmo em alguns estados. Uma vergonha em um país ainda pobre como o nosso. Devemos inclusive incentivar que nossos quadros em tarefas de governos levem uma vida simples, vinculada com o povo pobre e o proletariado das zonas urbanas e os camponeses das zonas rurais.

Só quadros de Partido, comprometidos com a nossa sustentação financeira, que façam devidamente suas contribuições ao Partido estão em condições de ser indicados às tarefas de governos. Devemos assegurar que as finanças e estrutura material do Partido (sede, telefone, jornal e profissionalização de quadros) jamais dependam, pelo menos em grande parte, das contribuições de quem ocupa cargos em governo. Isso sob pena de, quando eventualmente saímos do governo, perdermos nossa estrutura, em especial nossa sede.

Aqui devemos pensar também na profissionalização dos nossos principais quadros, teóricos e de massa. E isso pela estrutura partidária. Jamais devemos aceitar, em qualquer lugar que seja, que um comunista que se dedica exclusivamente ao Partido possa receber salário em governos. São as finanças partidárias, sustentadas pelo coletivo consciente, que deve garantir essa profissionalização, inclusive com todas as formalidades legais e direitos.

Os quadros comunistas em funções e tarefas de governo são as vitrines do Partido. Sua forma de agir e de se comportar reflete na avaliação que as massas possam fazer do próprio Partido. O quadro está naquele posto não pelo seu saber, expertise ou mesmo pela sua popularidade e vínculos com as massas. Ele ocupa aquela função por indicação exclusiva do Partido. Se outros partidos não agem assim, os comunistas devem agir e ser exemplos. Devemos ser humildes, austeros, demonstrar desprendimento, sermos solidários e sermos simples.

Em época de disputas eleitorais devemos ser muito mais criteriosos na distribuição de legendas do que temos sido. Não quero entrar em particularidades, mas sabemos que boa parte dos nossos candidatos à vereador e deputados estaduais muitas vezes sequer conhecem o nosso programa e jamais passaram por algum curso de formação no Partido. Como podem então nos representar?

Aqui uma questão que também tenho levantado há algum tempo. Nosso estatuto atual proíbe que apenas o presidente do Partido ocupe funções executivas. Ainda assim, deixa brecha para que o órgão partidário acima possa autorizar. Eu vou além. Acho que nenhum membro das comissões políticas possa integrar governos, sob pena de perdermos nossa autonomia e independência. Conhecemos muitos casos assim.

Tenho a convicção de que, os comunistas do PCdoB, do alto de sua experiência de 95 anos de história bem vivida em defesa da Nação e dos trabalhadores, saberão extrair lições desta quadra de quase 15 anos de extensiva participação em governos burgueses. Não no rumo da negativa da participação, mas no seu aprimoramento e preservação prioritária dos interesses partidários.

* Comunista desde 1975. Secretário de Formação do CM do PCdoB de Campinas.