A proposta de Tese apresentada ao debate pelo Partido parte da constatação da emergência de novos polos de poder (multipolaridade), não explicando, contudo, por que isso acontece. Sou de opinião que isto é fundamental para entender o mundo em que vivemos.

Por José Vieira Loguercio*

Já foi dito, e concordo plenamente, que é impossível analisar qualquer realidade social sem partir da análise marxista de O Capital. Quando examina o capital portador de juros, ele demonstra que o mesmo é fruto do desenvolvimento industrial e da criação dos bancos e do sistema de crédito. E que este tipo de capital irá acompanhar o capitalismo até o seu fim.

O capital portador de juros como comprova Marx, desdobra a forma geral do capital (D-M-D’) em duas formas.

A primeira é (D-D-M-D’-D’). Nesta forma o primeiro D é o dinheiro que A empresta a B com a condição de este devolvê-lo acrescido de juros; B com esta quantia emprestada, o segundo D compra meios de produção e força de trabalho e com isto consegue uma mercadoria com mais valor, que é o M e só pode ser produzido com o trabalho vivo; o lucro que ele obtém tem que repartir uma parte com A que são os juros; portanto o lucro empresarial de B o capitalista ativo tem que repartir com A, o dono do dinheiro, que são os D’ e D’.

A segunda forma é D-D’. Sobre esta forma diz Marx: “É no capital portador de juros que a relação capitalista assume sua forma mais exterior e mais fetichista. Aqui deparamos com D-D’, dinheiro que engendra dinheiro, valor que valoriza a si mesmo sem o processo mediador entre os dois extremos”.(p.441). A esta segunda forma do capital portador de juros Marx a denominou capital fictício e dá como exemplo típico a dívida publica. Isto porque um título da dívida publica pode ser trocado por dinheiro inclusive com juros sendo que a riqueza correspondente a este título de propriedade não existe, é fictícia.

Nestas duas formas do capital portador de juros a primeira estimula a produção e a segunda a emperra. Este tipo de capital existe a partir dos bancos e do sistema de crédito e continuará existindo naquelas duas formas até o fim do capitalismo. Eis como Marx resume o sistema de crédito:

Tais são as duas características intrínsecas do sistema de crédito: por um lado, ele desenvolve a mola propulsora da produção capitalista, o enriquecimento mediante a exploração do trabalho alheio, até convertê-los no mais puro e colossal sistema de jogo e fraude e limitar cada vez mais o número dos poucos indivíduos que exploram a riqueza social; por outro lado, estabelece a forma de transição para um novo modo de produção.

Desde que Marx as descreveu, a primeira forma tem predominado amplamente sobre a segunda. Essa relação se inverte com o advento do neoliberalismo que, por emperrar a produção, nunca foi global. Adicione-se a isso o processo de emancipação das colônias que, na Ásia, deu lugar a um grande número de nações soberanas dotadas de Estados Nacionais que as defendem.

A base econômica do neoliberalismo é o capital fictício. Os proprietários deste capital se apropriaram dos Estados das principais potências imperialistas. E a essência política do neoliberalismo é a “reação em toda a linha” e a “supressão da soberania das Nações”. E por quê? Porque precisam que seus Estados aceitem o livre trânsito de capitais e façam a desregulamentação monetária. Índia e China nunca aceitaram e agora um grande número de países as rejeita também.

A distinção feita por Marx entre capital monetário e capital real explica bem porque o segundo vai para os ramos de produção e as regiões onde o lucro empresarial tenha que pagar menos ao dono do dinheiro. É isto que explica porque a produção nas nações asiáticas cresce sem cessar desde que o neoliberalismo surgiu e, na Europa e América ela está estagnada ou com crescimento pífio. Explica também porque todas as crises econômicas no neoliberalismo têm sido monetárias.

Enquanto o caráter social do trabalho aparecer como a existência monetária da mercadoria e, por isso, como uma coisa situada à margem da produção real, serão inevitáveis as crises monetárias, sejam elas independentes de crises reais, sejam elas agravantes destas últimas. (Marx, 574).

Não será surpresa se a nova crise monetária que se aproxima velozmente, nos países hegemonizados pelo capital fictício encontre uma Ásia já preparada para que ela não entrave sua produção. Inclusive estão ampliando os mercados para seus produtos e a capacidade de consumo de uma vasta população.

A nova crise monetária aprofundará a bifurcação da globalização será dura nos países com grandes dívidas (públicas, de empresas e de famílias) e com baixa produção.

Se por um lado a globalização bifurcada foi causada pelo neoliberalismo que tem por objetivo o predomínio do capital fictício, por outro, se deveu à resistência de nações soberanas a este. Com isto o capital monetário se concentrou em uma parte do globo e o capital real em outra.

Em 1980 a Zona do Euro era responsável por 27% do PIB mundial os EUA por 26% e a Ásia (China, Filipinas, Malásia, Singapura, Tailândia, Coréia do Sul, Indonésia, Índia e Vietnam) por 6%. Em 2015 Zona do Euro era responsável por 16% do PIB mundial, EUA 16% e Ásia 23%! Julgo recomendável quando se fala em ‘crise mundial do capitalismo’ fosse levado em conta essa bifurcação objetiva da economia mundial. Como diz o ditado contra fatos não há argumento.

*Membro do Diretório Regional do RS