As manifestações de 2013, momento de virada na tática da direita golpista, quando a reação se apropria e instrumentaliza as manifestações, ainda não foram convenientemente analisadas e compreendidas pelas forças à esquerda. Uma primeira conclusão é forçosa, a de que as forças progressistas foram pegas de surpresa pelo início das manifestações e não compreenderam de imediato o alcance e os desdobramentos negativos daquele processo que tomou conta do país. É óbvio que é imensamente mais fácil falar retrospectivamente do que analisar corretamente o curso dos acontecimentos no calor da luta, mas isso não nos isenta da falha fundamental que nos fez perder o curso da história naquele momento.

Por Ângelo Andrade Cirino*

Essa falha foi a perda de vínculo com os movimentos sociais reais, nos bairros, nas escolas, nas fábricas. Uma coisa é a escolha deliberada pela via institucional feita pelo PT e o efetivo desprezo do governo pela mobilização popular, ao ponto de argumentar, como se pode ler no parágrafo 69 do projeto de resolução “que a mobilização popular poderia desestabilizá-lo”. Outra coisa somos nós, os comunistas, não havermos empreendido um processo de mobilização popular permanente e crescente durante os mandatos Lula e Dilma. O primeiro grande momento em que poderíamos haver iniciado as grandes mobilizações populares, logo após a primeira eleição de Lula, caracterizada pela chamada “onda vermelha”, com a eleição de vários parlamentares no nosso campo e com um grande capital político do governo, foi perdido. O segundo grande momento foi quando começa a tomar corpo o ativismo judicial e a judicialização da política, especialmente nos estertores do julgamento do mensalão, também perdido.

A resistência ao golpe tem que vir das ruas, da mobilização popular, isso não é nenhuma novidade. A pergunta que temos que nos fazer é: o golpe poderia ter sido evitado? Talvez a resposta seja sim, pois o golpe teve início nas de manifestações de 2013. Caso as manifestações fossem no sentido contrário, com o povo massivamente nas ruas em favor do governo e do aprofundamento das políticas sociais, em favor das novas conquistas e do aumento da sua qualidade de vida e do desenvolvimento, muito provavelmente o golpe haveria sido evitado, ou sua intenção adiada.

Mas há outra pergunta a ser feita: tínhamos plenas condições objetivas e subjetivas para perceber aquelas manifestações? Talvez, caso houvesse a clareza de um estado permanente de atenção e alerta. Vamos aos fatos. Tentativas de desestabilização e sabotagens já eram comuns em vários países latino-americanos (Equador, Bolívia, Argentina, a sempre ponta de lança dos EUA Colômbia e a permanente sabotagem da direita venezuelana são exemplos). Golpes jurídico-midiáticos, pretensamente constitucionais, já haviam acontecido em Honduras e no Paraguai. O lawfare empreendido contra o ex-primeiro ministro José Sócrates de Portugal e, na origem do lawfare moderno como instrumento de ação política, os estragos empreendidos pela operação Mãos Limpas na Itália já mostravam os resultados da judicialização da política.

Mais, como o próprio parágrafo 27 do projeto de resolução ressalta, os golpes se sofisticaram. No caso brasileiro, comparado com os golpes das chamadas “revoluções coloridas”, o trabalho do imperialismo foi facilitado e potencializado pela sua quinta coluna, pela grande força política aliada do imperialismo, que detém um poder desproporcional e imensa capacidade de manipulação das consciências. Quem tem as Organizações Globo não precisa de agentes da CIA ou da fundação “Open Society” de George Soros. Para dar dois exemplos de como o imperialismo interferiu diretamente nas manifestações e na desestabilização do governo, vale lembrar que, em vários jogos da Copa da Confederações, as manifestações eram propagandeadas nos letreiros de beira de campo da FIFA. Ora, quem tem dinheiro para pagar propaganda num jogo da FIFA comparável a um jogo da Copa do Mundo? Certamente que não o movimento pelo passe livre. Segundo, descobriu-se que vários dos elementos provocadores e que promoviam as depredações viajavam de avião pelo país, deslocando-se de uma manifestação a outra. Uma logística cara e complicada, também fora do alcance de movimentos como o do passe livre.

Se na Ucrânia a “revolução” foi laranja e na Geórgia rosa, no Brasil ela foi amarelo canário. Agora, retrospectivamente, é possível perceber os grandes movimentos comuns a todos esses processos, da Ucrânia ao Paraguai e à Venezuela, sem esquecer do Chile pré 1973, com as sabotagens à economia nacional. Em especial é iluminador perceber as semelhanças entre as greves de caminhoneiros no Chile de Allende e as realizadas no Brasil.

Mas há um saldo positivo daquelas manifestações. Elas demonstraram cabalmente que há um real potencial de mobilização popular, em especial da juventude, para grandes manifestações com claro conteúdo de radicalidade. Esse potencial é percebido também nas grandes diferenças entre os extratos sociais que compuseram as manifestações de 2013 e as pelo impeachment. As manifestações de 2013 eram jovens na sua composição etária e com as cores do povo brasileiro. As manifestações pelo impeachment foram essencialmente brancas e de classe média bem estabelecida.

Se naquelas manifestações, sem desprezar o papel cumprido pela imprensa golpista que, ao perceber que as podia instrumentalizar, agiu para as promover, não havia uma liderança clara e centralizada, nem havia uma bandeira bem definida e uma palavra de ordem unificadora do movimento, imagine-se o que ocorrerá com este país no momento em que uma força política consequente e lúcida conseguir conquistar a confiança da juventude e do povo e ser reconhecida como uma liderança capaz de mobilizar grandes massas? Se centenas de milhares foram às ruas gritando que não é pelos vinte centavos, quantos milhões não poderão ir ás ruas gritando por emprego e melhores condições de vida?

É esta a grande lição que fica das manifestações de 2013, que há um radical e imenso potencial de mobilização popular. Cabe-nos mostrar ao povo brasileiro, com nossa radical defesa dos direitos sociais e da vida, que somos a liderança de que o país precisa. Cabe a nós comunistas mostrar ao povo brasileiro que somos nós quem tem as reais condições de liderar a nação para superar a crise. Repito o que disse, protagonismo não é dádiva, é conquista.

*Ângelo Andrade Cirino é gestor de projetos de inovação tecnológica, físico, militante do PCdoB-MG.