Escrevi dois textos anteriores como partes da minha contribuição ao debate do Partido. O primeiro, “A Frente Ampla e a experiência do Rio de Janeiro” visava refletir sobre os impactos de nossa tática eleitoral na construção partidária em sua totalidade, onde uma ideia de “amplitude” que extrapola a discussão programática pode ter resultados dramáticos. O segundo, “A Questão Nacional para os Comunistas”, teve por objetivo tratar de um tema central do Programa Socialista, que também se não tomar em conta a perspectiva classista do Partido Comunista pode resultar em visões degeneradas sobre a luta política. Este terceitro texto visa apresentar brevemente o que penso sobre a luta política no país, e o lugar que o PCdoB deve ocupar nela, levando em consideração os debates feitos anteriormente.

Por Allysson Lemos*

Penso, portanto, que em primeiro lugar é preciso tratar do que se revelou um problema: colocar a disputa das esferas do Estado como o elemento central de nossa atuação. Quando desenvolvemos organizativamente a perspectiva de atuação na luta de massas, luta de ideias e luta institucional, com ações prioritárias entre a classe trabalhadora, a juventude e a intelectualidade, parecia que estávamos posicionando corretamente o Partido, o preparando para a guerra de movimento e a guerra de posições, afim de obter hegemonia no Estado e na sociedade civil. O que se realizou na prática partidária foi, por outro lado, o domínio da luta institucional sobre a luta de massas e a luta de ideias, em muitos casos com a substituição da tradicional militância do partido por bases eleitorais.

Esta poderia ser uma tática aceitável do ponto de vista pragmático, mas o que viu-se é que com ela o Partido se afastou progressivamente das lutas populares, inclusive aquelas que apontavam com correção para os limites das ações do Governo Federal, e também algumas contradições com a política de desenvolvimento. Hoje, insistindo no equívoco, o Partido se ocupa de taxá-las como pós-modernas ou de direita. Evidentemente, a pós-modernidade e o liberalismo ganharam espaço dentre o povo, uma vez que este espaço não foi ocupado pela esquerda e esta não foi parte constitutiva dos valores que estas lutas elaboravam. Hoje, por outro lado, no governo ilegítimo de Temer., e com a ascensão de ideias conservadoras na sociedade, fica mais claro para os diversos movimentos sociais onde está o poder que os oprime, e nós devemos estar atentos a esta questão na construção de um projeto nacional contra-hegemônico.

Precisamente neste ponto quero chegar. Que forças sociais e políticas se somam à contra-hegemonia no país? É preciso dizer que o imperialismo, representado em solo nacional pelo capital bancário, pela grande imprensa, demonstrou grande eficiência em desarticular o campo político e social que  sustentava o governo. Sua agenda econômica consistia em depredar o Estado Nacional brasileiro, atacando nossa soberania, e elevar em grande escala a exploração da força de trabalho, garantindo a acumulação de capital, como soluções para a crise econômica. Para este fim, alcançaram o apoio de todas as frações da burguesia e seus representantes políticos. Há também uma agenda política e moral, que consiste em derrotar de uma vez por todas a esquerda brasileira, através da criminalização do PT, atrelando-o ao problema da corrupção e da crise econômica. Com isso alcançaram setores da classe trabalhadora mais abastados, – inclusive difundindo uma identificação nestes com a elite do país e seu projeto -, e impõem dúvidas na população mais pobre, e a esquerda se vê em grande isolamento político e social, angariando apenas fragmentos desses setores descritos, bem como setores da intelectualidade.

Com isto quero dizer que, na esfera da política em seu sentido mais restrito, também aquele “centro” que apoiava o Governo foi capturado pela direita. A classe dominante se encontra unida em torno de seu projeto econômico, e não se permitirá dividir apenas por nossa vontade. Portanto, é com a unidade da classe trabalhadora e seus aliados imediatos, antes de tudo, que devemos nos ocupar. É preciso dar às lutas antineoliberais, anticapitalistas e libertárias a centralidade da atuação do Partido, e junto à classe trabalhadora construir um projeto nacional amplo que rompa com a hegemonia do imperialismo no Brasil.

A Frente Brasil Popular poderia cumprir papel bem mais elevado, como uma coordenadora das lutas do país. No entanto, na esfera local tem uma atuação pífia, estando à mercê dos projetos particulares de caciques petistas. Também nossa relação com a Frente Povo Sem Medo é dúbia, de maneira que nós, no esforço de disputar as ações de massa que vem ocorrendo, nos encontramos isolados. É preciso dizer também que o PT, da esfera local à nacional, se comporta como se estivesse acima de tudo isso. A caravana de Lula pelo Nordeste nada mais é do que a propaganda de si próprio enquanto presidenciável, líder messiâncio, e seu partido navega neste discurso, sem o compromisso de disputar a consciência popular para pautas mais estratégicas e avançadas. Dito isto, penso que o objetivo do PT é se consolidar como uma alternativa eleitoral ainda mais moderada, disposta a aceitar os arbítrios do imperialismo. Penso que o que explicou nossa aliança até aqui foi justamente como Lula inspirou a política contra-hegemônica no Brasil, e agora que o PT busca outro caminho, há um esgotamento deste ciclo.

Por fim, este substrato contra-hegemônico que começa a se fortalecer como negação das políticas de Temer carece de uma direção política clara. Neste sentido, há um problema do ponto de vista da palavra de ordem: o “Fora, Temer!” vem se esvaziando do sentido original, e para ele é preciso dar um norte. Durante todo este tempo temos empenhado a palavra de ordem “Diretas já!”, que teve razoável entrada junto à população, mas seus dizeres têm prazo de validade, já que as eleições estão programadas para o ano que vem.

O problema do afastamento de nosso partido, e de toda a esquerda, das expectativas populares não pode ser resolvido com uma tacada de mestre, ou com uma manobra sagaz nas esferas institucionais. O problema da organização dos comunistas dentre o povo é de fundo estrutural, e para enfrentá-lo é preciso cada vez mais fortalecer o seu caráter de classe.

*Allysson Lemos Gama da Silva é secretário de formação da UJS-RJ