Intelectual quando fala de política raras vezes é eficaz, e pode até se exagerar, pois tendemos a colocar o coração na ponta da caneta, e o que sai são exageros, loucuras e frequentemente coisas inexatas.  Porém, mesmo conhecedor de nossa não muito elogiosa tradição intelectual ocidental, enquanto fragmento da sociedade, me arriscarei.

Por Paulo Tedesco*

Nos estudos que fiz ao longo dos anos o que mais aconteceu foi o amadurecimento de certezas e escolhas – e posso assim falar pois tenho quase 30 anos de filiação partidária, sem nunca, em momento algum, ter-me sentido distante das decisões nacionais, pelos menos as fundamentais em nível nacional e internacional deste partido; algo que, para mim, como intelectual, que vive de ideias e orbita próximo a quem as faz e propõe como forma de vida, estar alinhado por muito tempo é um ato de fundamental importância, que define nosso caráter e denuncia profundamente quem somos e aonde queremos ir.

Sobre o socialismo, porém, digo o seguinte: não há outra alternativa. E não digo por retórica, por reproduzir regradamente teorias que pedem sempre revisita. Digo que o socialismo é inevitável porque é muito difícil, entre as filosofias propostas para um futuro próximo, e que nos mantenha vivos na face da terra, encontrar outra parecida ou mais prática, mais à mão.

Praticamente todas as filosofias empregadas naufragaram até agora. E nenhuma, nem as mais humanistas e as mais místicas, e falo aqui também de qualquer religião ou fé religiosa, conseguiu mostrar que a única solução para a humanidade passaria nada mais do que pela própria humanidade, e a partir do seu melhor.

E o que seria o melhor da humanidade? Ora, é explícito, ao menos para mim, que toda a vez em que a raça humana superou classes e que colocou a maioria no poder, e em seguida parou com as guerras, os morticínios, as violências de qualquer espécie, e toda a vez que a humanidade se organizou para enfrentar racionalmente os problemas de todos os homens, mulheres e crianças, sem qualquer distinção – nesse momento o progresso foi assustador, provocando fatos e conquistas que ninguém conseguiria esquecer e ainda pedir por mais, muito mais. Alerto: as conquistas do socialismo rapidamente se transformaram em monumentos da humanidade.

Mas o socialismo, sim, nasce de dentro, não nos é alienígena. Foice e martelo na Rússia foram transformados ao natural em símbolos com o avançar do partido bolchevique após a queda do czarismo – e percebam, Bolchevique, em russo, significa maioria, sem qualquer alusão ao marxismo-leninismo como insistem por aí. Foice e martelo, portanto, como símbolos, já existiam na vida russa desde a idade média desta nação, assim como os sovietes, que também nasceram das comunas agrícolas, espalhadas nas diferentes etnias e territórios no que depois foi ser chamado União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

E talvez esse exemplo nos ajude a compreender porque os chineses, gloriosos sem qualquer dúvida, apostaram, desde o princípio, no socialismo chinês, no socialismo deles e sem perder o viés das teorias fundadoras do pensamento socialista. E apesar da grande proximidade com a Rússia durante parte da história e da presença quase fronteiriça dos EUA, o maior império e selvagem dos últimos tempos, em Cuba, por sua vez, é possível dizer que o socialismo cubano teve o mesmo reto, e me parece que o mesmo aconteceu no Vietnã e na Coréia do Norte.

É, porém, necessário retomar o porquê do socialismo e sua necessidade. Pois o recuo com o fim da União Soviética e leste europeu, essa ideia de socialismo como necessidade imperiosa, amareleceu junto com o conceito de que devíamos acreditar, e investir, num partido de gente, de um coletivo que se dissesse instrumento de transformação social, e de uma transformação de classes, de trabalhadores. Repentino, voltaram a afirmar que gente pobre e analfabeta não sabe se organizar, que não sabe estudar nem tampouco transformar o mundo, e que isso tudo seria somente para quem tem dinheiro, que é quem sabe pode estudar, e principalmente quem sabe “administrar” – como se administrar uma vida privada fosse critério para se entrar nos céus.

Mas o que se falava, lá no século XIX, ainda quando tínhamos mais anarquistas do que socialistas, e depois mais socialistas utópicos do que socialistas de fato, ou líderes socialistas ligados ao partido comunista ou a um partido de fato pensado como instrumento de classes e revolucionário, parece que em nada envelheceu: a desigualdade, a guerra e a fome ainda persistem e ainda matam crianças e gente pobre e encarceram milhões para equilibrar a oferta de mão-de-obra trabalhadora e assim regular salários e lucros.

E é disso que trato nesse longo artigo: do fim da desigualdade, pela paz e pela liberdade de todos na face da terra. Porque somente uma proposta que tenha o socialismo pode vingar, ou seja, que uma organização social ordenada e pensada para enfrentar as principais demandas de um povo, da forma mais democrática possível, sob os auspícios de um partido socialista marxista-leninista, transformador e em transformação consegue, hoje em dia, encontrar resposta.

E no caso específico do presente instante do Congresso do Partido Comunista do Brasil e pelos 100 anos da Revolução Socialista Soviética, vejo que devemos olhar para nós mesmos e para quem está ao nosso lado. E em nós encontrar uma identidade, uma história particular, um universo único nessa nação a qual se diz ter uma civilização própria. E uma nação tão única e tão singular, mas também tão rica, e tão impressionante que chega a ser espantoso como até agora o socialismo não se espraiou como prática irrevogável de poder.

Mas, apesar de tudo, ainda que nossos aliados vacilem, que nossos inimigos tenham pés em nosso solo e nos alcancem, ainda que tenham garras e voem baixo despejando bombas e matando nossas crianças, ainda assim teremos a nós mesmos, brasileiros e brasileiras. Gente sonhadora, improvisadora, resiliente, mutante, e que não se entrega. E é por isso que se pode sim sonhar com o socialismo verde-amarelo, porque ele pode existir e tem forças para isso, basta compreender o básico, e o básico é de que não há outra saída: é o socialismo ou a extinção enquanto povo, enquanto raça humana.

*Editor e escritor