Entre os grandes desafios a serem enfrentados no atual momento político brasileiro está aquele que é apontado no Projeto de Resolução Política do Partido ao seu 14º Congresso como processo de “desmoralização” da política. É inegável que os fatos envolvendo ilicitudes praticadas por políticos (ainda que divulgados de forma seletiva pela grande mídia), tem fortalecido o discurso – que não é recente – da desqualificação da política. Porém, o dado novo é que tal discurso não tem se restringido a “desmoralizar” a política e os políticos; não se trata apenas de um juízo moral sobre a política, identificando-a como lugar de todos os vícios. Trata-se agora de negar a política como elemento constitutivo da vida social, o que é muito mais grave, com consequências que comprometem a construção e efetivação de um projeto de sociedade minimamente civilizado. Aos que pregam a negação da política não interessa a sua “restauração moral”. Para os que negam a política, esta será sempre o espaço dos negócios escusos, devendo, por isso mesmo, ser expurgada da vida social e substituída por outros, que, em contraposição, seriam espaços de todas as virtudes e da incorruptibilidade (por estarem, supostamente, fora da política). Por exemplo, é nesse espaço “imaculado” que alguns tentam inserir atualmente o Judiciário brasileiro, embora os fatos já tenham demonstrado essa impossibilidade.

Por Carlos Décimo de Souza*

Da negação da política como prenúncio de proliferação de ideias e práticas fascistas, muito já se tem falado, tendo em vista a onda de crescimento do ideário de direita e extrema direita não só no Brasil, como no mundo.  A substituição do conflito, inerente a vida social, pelo confronto (em palavra, em ato ou por ambos) é seu traço mais explícito e mais dramático. Porém, outros elementos são mais sutis, embora não menos graves. Um deles é o descrédito quanto a busca de soluções coletivas para os grandes dilemas da sociedade. Assim como a causa dos problemas é individualizada (ou, no máximo, atribuída a algum grupo especifico como um partido político, determinada etnia, ou a grupos sociais com determinado comportamento, etc) a solução para os problemas é também individualizada, buscada no indivíduo providencial,  o “salvador da pátria”, um ser fora ou acima da política, cujos atributos  extraordinários  o torna capaz de cuidar dos negócios do país, para que o “cidadão de bem”  não  precise se preocupar com tais questões. O discurso da antipolítica é, assim, o discurso da desmobilização, da descrença nos espaços de mediação coletiva e do isolamento.

Nesse contexto, torna-se extremamente desafiadora e complexa a tarefa de organização partidária, fundamental nesse momento, para que o Partido continue a desempenhar o seu protagonismo na resistência democrática contra as forças golpistas que se apropriaram do País.

A organização é uma das dimensões da construção e da estruturação partidária (tese 154), ao lado da dimensão política e da dimensão ideológica. Seu caráter estratégico deve, portanto, envolver todo o coletivo partidário; não é uma tarefa restrita às direções. O fortalecimento dessa concepção deve ser feito diuturnamente uma vez que o Partido não está imune a essas tendências individualizantes e ao pragmatismo que são a regra na sociedade do capital.

“A política comanda a organização e a organização realiza a política” (tese 171). Realizar a política, hoje, significa mais do que nunca, resgatar a política como elemento central da vida partidária, rejeitando qualquer postura fragmentadora, qualquer conduta personalista que levam inevitavelmente a concepções equivocadas, como, por exemplo, perder de vista as tarefas estratégicas de fortalecimento do Partido, que é instrumento da política e deixar-se levar por supostos benefícios de caráter imediato.

O conjunto de filiados e militantes não estamos imunes a tendência à dispersão, ao isolamento, uma vez que a cultura de enaltecimento do individualismo, um dos pilares da antipolítica vigente na sociedade contemporânea tende a contaminar todos os espaços da vida social, gerando personalismos de todos os tipos.  É preciso, portanto, atenção contínua para detectar, na dinâmica da vida partidária, elementos que possam enfraquecer o sentido eminentemente político de nossa atuação, sem o que é impossível efetivar qualquer esforço organizativo voltado para o fortalecimento do Partido enquanto instrumento de luta pela defesa da democracia, da soberania e do socialismo em nosso país. Um desses elementos a serem urgentemente combatidos é a ausência de vida orgânica regular em Comitês e Organizações de Base que corroí o alicerce de sustentação do Partido. É assim que, no processo de estruturação partidária emergem as nossas debilidades e insuficiências. Atualmente, temos enormes dificuldades na mobilização e estruturação partidária. Precisamos ter ousadia no enfrentamento destas questões que rebaixam e travam o sentido estratégico da luta do Partido, como aponta a nossa resolução.

Desse modo, durante o debate do 14º Congresso do Partido é preciso fazermos uma profunda reflexão sobre esta e outras causas das dificuldades em envolver o conjunto partidário na tarefa de organização e planejamento para que possamos construir, coletivamente, estratégias para sua superação.

*Secretário de Organização PCdoB/DF